esquerda extrativista

16/04/2010 § Deixe um comentário

Eleitos com a promessa de promover um novo capítulo na história da América Latina, os governos de esquerda não tocam no que, para muitos, é o ponto nevrálgico na construção de uma nova realidade: o modelo de desenvolvimento primário-exportador

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em Copenhague, constatou que apenas 5% dos brasileiros veem o aquecimento global como o grande problema do mundo. Uma fatia ainda menor da população, em torno de 1%, acredita que a preservação da biodiversidade deve ser priorizada pelas políticas públicas. Urgente mesmo, diz o levantamento, é combater a pobreza, a violência e a fome.

Os resultados da pesquisa refletem o raciocínio que move os governos da chamada esquerda sul-americana na hora de pesar as necessidades aparentemente conflitantes de preservação ambiental e crescimento econômico.

Desde a vitória de Hugo Chávez, em 1998, à de Fernando Lugo, em 2008, a onda eleitoral que conduziu ao poder candidatos de origem popular e ideias socializantes tinha como objetivo colocar um freio às políticas neoliberais. O Estado almejou, assim, reduzir a dependência externa e retomar as rédeas da economia. “Havia esperanças de que a nova esquerda promovesse mudanças substanciais no modelo de desenvolvimento, até então baseado na exportação de produtos primários”, lembra Eduardo Gudynas, pesquisador do Centro Latino-Americano de Ecologia Social (CLAES), em Montevidéu.

Isso não aconteceu. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) aponta que os produtos primários ainda são responsáveis por mais da metade do volume das vendas externas das nações agora dirigidas por governos ditos progressistas. O destaque fica com os recursos minerais e grandes monocultivos. O país menos dependente das commodities é o Brasil, que, mesmo assim, apoia 51% de sua economia sobre o extrativismo. Já a Venezuela sustenta 89% de sua balança comercial com as rendas do petróleo.

Gudynas acrescenta que os novos governos sul-americanos não apenas reforçaram as atividades primárias como também abriram novos campos de operação extrativista e agroindustrial. “É o caso da mineração no Equador, o apoio a um novo ciclo de exploração do ferro na Bolívia e o forte protagonismo estatal em promover o crescimento mineiro no Brasil e Argentina, enquanto a esquerda uruguaia se aventura na prospecção petroleira”, explica.

O xis da questão

À primeira vista pode ser difícil perceber os efeitos colaterais do negócio primário-exportador. Afinal, se as vendas externas crescem ano a ano, isso se traduz em cada vez mais dólares para a economia. E os países latino-americanos estão sempre necessitando de dinheiro: ninguém duvida que ainda há muito a ser feito em termos de educação, saúde, moradia, geração de empregos etc.

No entanto, de acordo com o economista equatoriano Alberto Acosta, desde a época da colonização as finanças regionais estiveram apoiadas sobre a exploração de produtos primários. E, ao longo dos séculos, esse tipo de atividade não foi capaz de trazer desenvolvimento humano à maioria dos latino-americanos, embora tenha produzido crescimento econômico. O último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) coloca os países do continente em posições bastante intermediárias no ranking mundial do bem-estar. O Brasil, por exemplo, apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, só aparece na 75a posição.

“Seguimos acreditando, equivocadamente, que desenvolvimento é sinônimo de crescimento, e que a maneira mais fácil de alcançá-lo é através da exportação de recursos naturais”, lamenta Acosta. “Os governantes não devem apenas conseguir equidade social, aprofundar a democracia e superar o Consenso de Washington. Tudo isso é indispensável e fundamental, mas a verdadeira mudança radica em transformar a maneira como olhamos para os recursos naturais.”

O Equador deu passos importantes nesse sentido ao aprovar em 2008 uma Constituição que reconhece direitos à natureza e condiciona o progresso econômico e social a uma relação não-destrutiva com os ecossistemas. A regra é utilizar os recursos provenientes do meio ambiente numa intensidade tal que lhe permita recuperar-se dos danos ocasionados e seguir seus próprios ciclos vitais. O pequeno país andino é o primeiro a enxergar a natureza como um sujeito de direitos e não apenas um objeto de propriedade.

Imbuídos da nobre motivação de combater a pobreza, os governos da nova esquerda latino-americana se encontram às voltas com um dilema. Em tempos de crise ambiental e mudança climática, são moralmente forçados a adotar políticas de preservação da natureza, redução do efeito estufa, contenção do desmatamento e adoção de tecnologias limpas. Ao mesmo tempo, o compromisso histórico assumido durante as campanhas eleitorais obriga a mitigar a pobreza e reduzir o abismo social que separa ricos e pobres no continente mais desigual do planeta.

Antes, a pobreza

A primeira opção parece ter sido o combate à miséria. E, para levá-lo a cabo, o poder público necessita de recursos financeiros, já que o modelo escolhido para aliviar a fome, aplacar o trabalho infantil e reanimar as economias locais descansa sobre programas de transferência de renda. Lula criou o Bolsa Família. Na Bolívia se instaurou o Bônus Juancito Pinto. Os uruguaios contam com o Plano de Assistência Nacional à Emergência Social. No Equador apareceu o Bônus de Desenvolvimento Humano, e a Argentina deu início ao Programa de Famílias. Há também o Chile Solidário.

Como o Estado voltou a assumir um papel mais protagônico na economia, há mais dinheiro em caixa. A Bolívia é um caso exemplar. Quando nacionalizou o gás e o petróleo, em 2006, Evo Morales subiu para 50% a tributação sobre os hidrocarbonetos. A renegociação dos contratos e a reativação da estatal YPFB ajudaram a mudar o quadro econômico. O PIB boliviano foi duplicado e atinge os US$ 19 bilhões, as reservas internacionais se incrementaram, a inflação está controlada e o câmbio, estabilizado. “Deixamos de ser o país mais pobre da América do Sul”, comemora o ministro da Economia, Luis Arce.

Os novos recursos permitem aos governos repassar à parcela mais pobre da população uma parte dos excedentes obtidos com o extrativismo e, assim, remediar os efeitos da pobreza. “O estado busca captar excedentes provenientes do extrativismo e, ao utilizá-los em programas sociais, consegue legitimidade para defender as atividades extrativistas”, analisa Eduardo Gudynas. “As ações sociais necessitam um crescente financiamento e, portanto, os governos se tornam dependentes da exportação primária para captar recursos financeiros.”

O mesmo diferente

As empresas estatais, porém, não agem de maneira muito distinta das companhias estrangeiras quando o assunto é compromisso ambiental. Se as grandes transnacionais da mineração, do petróleo e do agronegócio justificam seus empreendimentos com a promessa de progresso, emprego e bem-estar, os governos latino-americanos seguem o mesmo caminho. A grande diferença é o destino dos lucros, que, agora mais que antes, permanecem no próprio país. Contudo, apesar de ser justificada por novas realidades e argumentos, a devastação continua.

O debate nascido dentro do governo brasileiro entre Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil, e Marina Silva, ex-titular do Meio Ambiente, é prova desse embate. Enquanto a coordenadora do PAC advogava pela celeridade das obras de infra-estrutura, a herdeira política de Chico Mendes insistia na importância dos estudos de impacto ambiental. Apoiada por Lula, Dilma venceu a batalha, enquanto Marina preferiu deixar o governo após ficar conhecida como “ministra dos bagres” e ser considerada por muitos uma “trava” ao desenvolvimento.

O resultado dessa batalha viabilizou, entre outros projetos, a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, e Belo Monte, no rio Xingu, que seguem a todo vapor. Juntas, as represas terão capacidade para gerar 18,4 mil megawatts, que irão alimentar a expansão industrial no sudeste e a da mineração na Amazônia.

Atualmente, segundo o geógrafo Arnaldo Carneiro, do Instituto Sócio Ambiental, “metade da capacidade energética instalada na região norte é consumida pela mineração e metalurgia, e 20% de toda eletricidade produzida no país é agregada a produtos destinados ao mercado externo”.

O PAC promete repassar R$ 35 bilhões para investimentos em geração e transmissão de energia na região amazônica. Outros R$ 10,6 bilhões devem permitir a construção e pavimentação de rodovias na floresta. Entre os projetos na área dos transportes, chama a atenção o asfaltamento da BR-163 (Cuiabá-Santarém) e da BR-319 (Manaus-Porto Velho), esta ainda em fase de avaliação ambiental, mas que pode acarretar o desmatamento de 39 milhões de hectares e afetar a mais de 50 povos indígenas, alguns em isolamento voluntário.

Contradições amazônicas

“Como outros projetos de infra-estrutura, as estradas são importantes para estimular a economia, integrar locais distantes e prover acessos a serviços públicos, como escolas e hospitais”, reconhece Arnaldo Carneiro. O geógrafo lembra, entretanto, que as estradas também vêm possibilitando o roubo de madeira, o surgimento de garimpos e a apropriação ilegal de terras indígenas. Basta dizer que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), cerca de 75% do desmatamento ocorre numa faixa de até 100 quilômetros ao redor das rodovias.

“O Estado brasileiro está presente na Amazônia, mas de forma esquizofrênica”, avalia Carneiro, assinalando que, enquanto o governo se desdobra para reduzir o desmatamento, financia projetos que ajudam a derrubar a floresta. “Precisamos mesmo expandir sobre a Amazônia? Ou, nesse jogo global de economias ambientais, a Amazônia tem uma outra virtude, uma outra utilidade que não seja servir à pecuária e à agricultura?”

Os questionamentos do geógrafo não fazem eco aos projetos da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que, com forte apoio do BNDES, também está presente na Amazônia. Pelo menos dois corredores interoceânicos estão em planejamento para ligar a porção brasileira da floresta à cordilheira dos Andes e ao Pacífico, incrementando, assim, o escoamento dos grãos produzidos pelo avanço da fronteira agrícola ao norte do Mato Grosso.

“Devemos procurar um modelo de desenvolvimento que gere emprego e fortalecer um tipo de produção que não destrua a floresta. A Zona Franca de Manaus é um exemplo de indústria que não desmata. Podemos criticá-la de várias maneiras, mas o estado do Amazonas é o que menos desmata e ainda por cima tem um pólo industrial”, opina o físico Luiz Pinguelli Rosa, da UFRJ. “Devemos buscar um tipo de desenvolvimento que não produza tantas emissões e, ao mesmo tempo, dê uma vida digna à população. Não tem cabimento os europeus viverem numa situação confortável e aqui existir gente que sequer tem energia elétrica em casa.” –tadeu breda (cc)

lobisomens de brasília

08/04/2010 § 1 comentário

No mês em que completa 50 anos, a Capital também comemora o início das obras do primeiro Bairro Ecológico do Brasil, cuja construção deverá derrubar 150 mil árvores nativas e desalojar a única comunidade indígena instalada tradicionalmente no cerrado do Distrito Federal

>> publicado na rolling stone

Korubo gosta de construir suas casas em cima das árvores. Apurando a vista é possível identificar algumas delas escondidas entre os galhos retorcidos que se espalham pelo horizonte do cerrado. Uma ou duas ripas de madeira, presas com cordas ou pregos, servem de cama. Um pedaço de plástico eventualmente faz as vezes de teto. No alto, Korubo encontra refúgio seguro contra as surpresas da madrugada.

Ultimamente, no entanto, suas noites não têm sido das mais tranquilas. A altura o protege dos animais que perambulam pela escuridão, mas na verdade nem são os bichos da mata que deixam Korubo de orelha em pé.

“Fico acordado até tarde para afugentar o lobisomem”, diz.

A mesma fogueira que cozinha nosso jantar também ilumina seu rosto. Korubo é um índio de cabelos ralos e longos, corpulento apesar de sua baixa estatura. A mistura de português com espanhol que sai de sua boca é fruto dos anos que viveu na Amazônia, numa região da floresta que não enxerga fronteiras entre o Brasil e o Peru. Nosso encontro, porém, se dá no Planalto Central, em noite de lua cheia. O céu está forrado de estrelas e o olhar de Korubo deixa transparecer que, pelo menos nestas paragens, a aparição da criatura que é lobo e homem ao mesmo tempo, ou homem lobo do homem, não está condicionada aos caprichos do calendário lunar.

O que perturba o sono de Korubo e dos demais índios que vivem na Terra Indígena do Bananal, localizada dentro do perímetro urbano da capital da República, é o avanço das obras que pretendem erguer exatamente ali, ao preço de R$ 8 mil o metro quadrado, o bairro mais moderno e ecologicamente correto que Brasília jamais viu em seus 50 anos de história.

Desde a década de noventa os dias e as noites dos índios que vivem em comunhão com a mãe-terra em pleno Plano Piloto são pontuados de ameaças e incertezas. A situação, no entanto, ficou mais tensa após a eleição de José Roberto Arruda para comandar o Distrito Federal, em 2006. Entre os projetos prioritários do novo governador estava a materialização de um empreendimento imobiliário idealizado há mais vinte anos e que até então não tinha saído do papel.

O motivo das rondas noturnas de Korubo para afastar o lobisomem tem suas raízes em 1987. Foi nesta época que Lúcio Costa, já octogenário, viajou a Brasília a convite do governo Aparecido de Oliveira e redigiu algumas observações sobre o crescimento da capital. O Distrito Federal estava prestes a completar três décadas de existência, e Lúcio Costa achou pertinente opinar sobre os rumos da cidade modernista que havia projetado em parceria com Oscar Niemeyer. Assim nasceu um documento intitulado Brasília Revisitada.

Entre muitas sugestões pensadas no sentido de não descaracterizar o projeto original, Lúcio Costa escreveu que o Plano Piloto, se necessário fosse, poderia expandir o alcance de seu concreto em direção a dois bairros ainda inexistentes. A eles deu o nome de Oeste Sul e Oeste Norte. O urbanista não deixou nenhum desenho que ilustrasse suas derradeiras ideias sobre a capital, mas, segundo seus escritos, as novas aglomerações residenciais deveriam se localizar em áreas contíguas às Asas Sul e Norte, como se fossem os elevadores – aquelas asinhas traseiras – do avião que se traveste de cidade quando se contempla Brasília do alto. Para os novos setores, Lúcio Costa previu quadras com edifícios de três pavimentos e superquadras com prédios de seis andares, deixando bem claro que a expansão urbana do Plano Piloto deveria “responder à demanda habitacional popular” e também à classe-média.

Brasília Revisitada traz ainda uma série de anotações que jamais encontrariam cabida no cotidiano da cidade. O desejo de Lúcio Costa era ver uma capital sem engarrafamentos e com um sistema público de transportes eficiente e moderno, mas basta ir a Brasília para perceber que a quantidade de veículos – aproximadamente um para cada dois habitantes – inviabiliza a fluidez do tráfego na hora do rush. Os ônibus em geral são antigos e transportam pouco mais de 14 milhões de passageiros ao mês. A orla do Lago Paranoá, que o urbanista idealizou para ser de livre acesso a todos, está tomada por condomínios de luxo e outras edificações irregulares que privatizaram boa parte da praia dos brasilienses. A intenção de promover um crescimento ordenado das chamadas cidades-satélites também se veria frustrada, assim como a noção de que Brasília não deveria nunca se transformar numa grande metrópole, como é atualmente, com 2,6 milhões de habitantes vivendo de serviços e burocracia.

Muito daquilo que Lúcio Costa pensou para aprimorar o funcionamento da capital não foi levado em consideração por nenhum dos sucessivos governos que em meio século passaram pelo Palácio do Buriti. O urbanista foi solene e especialmente ignorado nas recomendações de cunho social e coletivista que contemplassem a qualidade de vida da maior parcela da população, que hoje se concentra em cidades carentes dos serviços mais básicos, distantes dos postos de trabalho, com baixos índices de desenvolvimento humano e altas taxas de criminalidade. Cerca de 80% dos brasilienses vivem foram do Plano Piloto, que é onde estão 70% dos empregos.

O Estado não foi omisso, porém, na hora de construir o bairro Oeste Sul. Rebatizado como Sudoeste, o novo conjunto habitacional brotaria da lama durante a gestão de Joaquim Roriz, que viabilizou no local previsto por Lúcio Costa a construção de um setor residencial e um parque. Roriz, assim como outros governadores do Distrito Federal, também tentaria materializar o setor Oeste Norte, mas o bairro, agora chamado Noroeste, não deixaria o mundo das ideias até que José Roberto Arruda assumisse o governo, tendo como vice o megaempreendedor imobiliário Paulo Octavio, um dos homens mais ricos de Brasília, casado com a neta de Juscelino Kubitschek e autointitulado “herdeiro político” do fundador de Brasília.

Em janeiro de 2007, nada mais tomar posse, Arruda deu à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) a missão de implementar de uma vez por todas o bairro que faltava para concluir o Plano Piloto. Junto com a nova área, seguindo os moldes do Sudoeste, estava prevista a construção de um novo parque. O projeto já vinha sendo delineado desde o governo Cristovam Buarque (1995-1999) e aguardava apenas a vontade política do Executivo para se concretizar. Agora já não faltava nada.

O Noroeste pretende ser o primeiro bairro ecologicamente correto do Brasil. Para isso, vai ocupar com edificações apenas 313 de seus 821 hectares de área total. O resto será preenchido com muito muito verde. Terá 20 quadras residenciais e 24 quadras comerciais e foi projetado para oferecer moradias de alto padrão para cerca de 40 mil pessoas. Para reduzir os impactos ambientais, uma série de tecnologias inovadoras será adotada. Uma delas é o reaproveitamento da água das chuvas para regar os jardins e abastecer os lagos artificiais do Parque Burle Marx, contíguo às residências. Outro destaque é o aproveitamento máximo da energia solar.

“No Noroeste será proibido utilizar chuveiro elétrico, que hoje em dia é o maior consumidor de energia principalmente em horário de pico”, explica o deputado federal Cássio Taniguchi, mentor ambiental do projeto. “Gostaríamos que o bairro fosse totalmente autossuficiente em energia. Por isso, o lixo orgânico será eventualmente utilizado para geração de eletricidade por meio da compostagem.”

Ainda em matéria de resíduos domésticos, haverá no Noroeste um sistema de coleta por sucção à vácuo que promete desaparecer com os caminhões de lixo e reduzir a zero a quantidade de detritos nas vias públicas. O bairro também terá uma rede de ciclovias e faixas exclusivas destinadas ao transporte coletivo para, quem sabe, reduzir a dependência do veículo particular.

“O Plano Piloto foi projetado para abrigar 500 mil habitantes. Hoje abriga tão-somente 220 mil. Há vazios urbanos imensos aqui dentro”, continua Taniguchi. “Temos que adensar, mas não de qualquer jeito. A ocupação deve ser bem definida, bem estruturada e controlada. É disso que se trata.”

O diferencial ecológico, obviamente, faz parte da publicidade em torno do novo bairro. Todos os anúncios que se espalham pela sociedade brasiliense propagandeando o Noroeste levam invariavelmente a cor verde e outras menções diretas e indiretas à preservação dos ecossistemas no Planalto Central. Alguns folhetos trazem inclusive sementes de ipê amarelo, espécie típica do cerrado, junto com instruções para o plantio.

As previsões da Terracap apontam para a geração de 30 mil empregos diretos assim que for acionada a cadeia produtiva que viabilizará o novo bairro. Como se trata do maior e mais moderno empreendimento imobiliário do Brasil, o Noroeste irá necessitar dos serviços de profissionais tão díspares quanto engenheiros ambientais e operários da construção civil. Apenas a venda das projeções do setor residencial deve arrecadar R$ 3 bilhões aos cofres públicos. Outras estimativas dão conta de que ali está em gestação uma massa financeira de até R$ 11 bilhões em serviços imobiliários.

“Se a gente comparar como foi o modelo de expansão do Distrito Federal, cujo histórico é de ocupação irregular, o Noroeste saiu muito à frente”, explica Hugo Américo, superintendente substituto do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “O bairro ainda está sendo implantado, mas já passou por uma análise prévia muito grande para tentar mitigar ao máximo os impactos ambientais. Se tudo for feito nos moldes do processo e nas condicionantes ambientais que foram colocadas, o Noroeste com certeza será dos bairros mais ecológicos do Brasil.”

Com todas as licenças ambientais outorgadas e algumas pendências jurídicas aprovadas, em dezembro de 2008 a Terracap conseguiu registrar em cartório a joia de sua coroa imobiliária. Um mês depois o governo do Distrito Federal lançou a pedra fundamental do novo setor e, sempre correndo contra o relógio, começou a trabalhar na licitação que venderia as projeções do Noroeste. Os primeiros 55 lotes foram arrematados no dia 29 de janeiro de 2009. Em apenas duas horas a Terracap faturou R$ 537 milhões, mais do que nos quatro anos do governo anterior.

Foi então que o lobisomem começou a visitar com mais frequência a Terra Indígena do Bananal, obrigando Korubo a trocar suas noites de sono no alto das árvores pela vigília madrugada adentro.

É verão e chove bastante no Distrito Federal. São pés d’água esparsos. Enquanto a chuva cai inclemente sobre uma parte da paisagem, o sol ilumina outra logo adiante. As nuvens parecem um regador que passeia sobre o firmamento molhando o cerrado como se fosse um jardim, pacientemente, uma parte de cada vez. O céu neste pedaço do Brasil, de tão grandioso, é capaz de abrigar nuvens carregadas que antecipam a noite e, ao mesmo tempo, azuis límpidos de um cor-de-rosa que enternece os entardeceres.

Com seus cabelos longos e grisalhos, colares no pescoço e shorts vermelho, o pajé Santxiê Tapuya, uma das lideranças da Terra Indígena do Bananal, conversa comigo debaixo de um abacateiro. Estou sentado sobre uma cadeira de plástico, ele, numa tora de madeira. Está sem camisa e pita sem parar um cachimbo recheado com fumo de corda, que intercala com goles de café. O chão vermelho é de terra batida. Famílias inteiras de galos, galinhas e pintinhos ciscam em busca de alimento, e um casal de filhotes caninos vez ou outra vem bulir conosco mordendo nossos pés descalços.

O homem que capitaneia a resistência indígena no Bananal contra as ambições imobiliárias do governo brasiliense tem 53 anos e nasceu numa aldeia que rodeia a cidade de Águas Belas, no sertão pernambucano. Santxiê é filho da etnia fulni-ô e faz questão de preservar as tradições do único povo ancestral do Nordeste que conseguiu manter vivo e ativo seu idioma. Apesar de todos no Bananal falarem e compreenderem o português, é recitando o verbo suave e ritmado do yathê – nossa fala – que o pajé se comunica com os seus.

É Santxiê quem me explica: os primeiros fulni-ô a se estabelecerem no Planalto Central durante século XX, assim como muitos outros brasileiros, vieram a Brasília dispostos a moldar, com muito concreto e suor, os edifícios de arquitetura arrojada desenhados por Oscar Niemeyer. Nos idos de 1958, o Planalto Central era o eldorado para homens e mulheres pobres que buscavam uma oportunidade para mudar de vida. Mais tarde ficariam conhecidos como “candangos”, e perderiam rapidamente o título de heróis nacionais para se transformarem em problema social quando resolveram permanecer em Brasília ao invés de retornarem para suas casas.

Entre os que vieram, trabalharam e ficaram, estavam os fulni-ô José Ribeiro, Elói Lúcio, José Carlos Veríssimo e Antônio Inácio Severo. Este último ficaria conhecido no canteiro de obras como Índio Juscelino. Entre os indígenas com quem assentava tijolos, porém, Antônio era chamado de Cacique Zumba. São três maneiras de chamar a mesma pessoa, a quem Santxiê, pelo grau de parentesco, também se refere como tio.

Uma das características mais importantes da cultura fulni-ô é a prática do Ouricuri, espécie de ritual sagrado que acontece tradicionalmente uma vez ao ano. Conforme o mês de agosto vai chegando ao fim, os indígenas se preparam para um período de dois meses de isolamento. Apenas autênticos filhos da aldeia alfabetizados no yathê podem participar dos festejos. Quem não é fulni-ô ou não fala o idioma está fora. Por isso, pouca coisa se sabe sobre os detalhes do ritual. O antropólogo mexicano Jorge Hernández Díaz estudou os costumes indígenas de Águas Belas na década de oitenta e, no atlas Povos Indígenas do Brasil, publicado pelo Instituto Socioambiental, dá alguns indícios de como os fulni-ô se comportam durante os meses sagrados. Dentro do Ouricuri, por exemplo, a tradição impede o consumo de bebidas alcoólicas, e não se toca nem se escuta outro tipo de música que não as canções próprias da cerimônia. A abstinência sexual é praticada em alguns momentos e, em outros, os índios se sentam para discutir os problemas da tribo e nomear lideranças.

Seja como for, foi procurando um espaço para praticar rituais sagrados que exigem isolamento que o Índio Juscelino e os demais fulni-ô teriam encontrado, dentro de Brasília, uma área de mata que estivesse afastada tanto dos canteiros de obra como das vilas operárias.

O antropólogo Rodrigo Nacif fala da existência de muitos relatos que atestam a história do Cacique Zumba contada por Santxiê. Um deles partiu da boca do arquiteto brasiliense Carlos Guimarães, braço direito de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que supervisionava as obras durante a construção da capital. “Ele confirmou que os trabalhadores comentavam sobre o hábito dos índios de se ausentarem para praticar seus rituais em algum lugar do cerrado”, relata Nacif.

Santxiê não tem a menor dúvida de que o local encontrado pelo Índio Juscelino e outros parentes de Águas Belas para praticar sua espiritualidade dentro do Distrito Federal é o mesmo onde ele agora vive. Por isso mesmo resolveu mudar o nome do lugar, de Terra Indígena do Bananal, para Terra Indígena Santuário dos Pajés.

“Eles já sabiam que se tratava de uma terra sagrada”, confirma, comentando que muito perto dali existem cemitérios ancestrais e outros indícios de ocupação imemorial.

Santxiê atesta que o avanço dos bandeirantes pelo interior do Brasil, assassinando e expulsando os índios das regiões mais próximas da costa atlântica, fez com que uma infinidade de povos nativos se instalassem no Planalto Central. Rabiscando o chão com um graveto, o pajé argumenta ainda que a região era cruzada por um rota tradicional de migração indígena. Tudo isso, segundo ele, estaria relacionado direta ou indiretamente ao povo do qual descende, fulni-ô, os últimos tapuias.

Obviamente, com um projeto bilionário nas mãos, a Terracap não acredita em um pingo sequer dessa história. Mais que isso, o governo do Distrito Federal tem sua própria versão sobre a presença dos índios no Bananal. E o raciocínio oficial é simples: toda a extensão do Noroeste pertence legalmente à Terracap. É o que dizem as escrituras e os registros em cartório. Como a Terracap está ligada à administração distrital, é plausível argumentar que o Santuário dos Pajés está localizado numa propriedade do Estado. Logo, na visão da Companhia Imobiliária de Brasília, os indígenas que vivem ali são invasores de terras públicas. “Sem lugar para morar, eles acabaram ocupando a área onde atualmente se encontram. Para todos os brasilienses foi uma grande surpresa saber que em Brasília havia tribos e que esses índios viviam embrenhados no Noroeste”, diz Pelágio Gondim, assessor de imprensa da companhia.

Aqui começa uma batalha ideológica travada pelo governo em conluio com o maior diário do Distrito Federal, o Correio Braziliense, com o objetivo de conquistar os corações e as mentes da opinião pública contra a permanência dos indígenas no Bananal e a favor da construção do primeiro bairro ecológico do Brasil.

Além de Santxiê, Korubo e os cerca de dez índios que vivem e resistem no Santuário dos Pajés, há um outro agrupamento no local. A população varia conforme a época do ano, as visitas à terra natal e os imperativos espirituais. Ivanice Tononé, da etnia kariri-xokó, é quem responde pelos demais indígenas que habitam o Noroeste. As circunstâncias que a levaram a Brasília e, mais especificamente, até o Bananal são um pouco diferentes das que trouxeram Santxiê.

O pajé chegou definitivamente por volta de 1976, com a intenção de se juntar aos familiares que já residiam na área. Desde a década de sessenta, no entanto, Santxiê vinha regularmente para visitar a mãe, dona Maria Veríssimo Machado, que também havia se deslocado a Brasília devido à presença dos parentes.

A região de Águas Belas, terra originária dos fulni-ô, se localiza na porção pernambucana do chamado Polígono das Secas. Segundo o Ministério da Integração Nacional, o Polígono das Secas é definido como “um território sujeito a períodos críticos de prolongada estiagem”. Abrange oito estados do semi-árido nordestino e frequentemente ganha o noticiário de tragédias brasileiras por casos de desnutrição e falta d’água. Santxiê veio para o Planalto Central, ele mesmo diz, fugido da pobreza e de condições de trabalho indignas.

“Teve uma fome muito grande lá, uma miséria, uma epidemia de cólera”, lembra. O pajé ainda passaria uma temporada no Rio de Janeiro antes de retornar a Brasília e se fixar de vez no Bananal.

Já Ivanice chegou à capital em busca de atendimento médico e acabou ficando. É original do município alagoano de Porto Real do Colégio, localizado às margens do rio São Francisco, na divisa com Sergipe. É lá que vivem os cerca de 1,7 mil remanescentes da etnia kariri-xokó, que infelizmente perderam sua língua nativa devido ao contato com o colonizador.

“Os kariri-xokó representam, na realidade, o que resta da fusão de vários grupos tribais depois de séculos de aldeamento e catequese. Seu cotidiano é muito semelhante ao das populações rurais de baixa renda que vendem sua força de trabalho nas diferentes atividades agropecuárias da região”, escreve a antropóloga Vera Lúcia da Mata, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Contudo, pode-se dizer que é um grupo que tem sua indianidade preservada pela manutenção do ritual do Ouricuri.”

Segundo o atlas Povos Indígenas do Brasil, assim como acontece entre os fulni-ô de Pernambuco, os kariri-xokó de Alagoas não revelam detalhes de seu ritual sagrado. Sabe-se, entretanto, que são cerimônias distintas.

Ivanice conta que foi Santxiê quem a ajudou nos primeiros meses de Brasília, quando não tinha onde ficar. Isso foi em 1986. “Depois eu fiz as casas, as ocas e criei meus filhos. Trouxe minha família pra cá e fiquei morando com meu povo. O tempo foi passando e ninguém nem sabia que a gente morava aqui”, explica. Ivanice diz que com ela vivem oito famílias, a maioria indígena, mas nem todos. “Tem índio que é casado com branca e branco que é casado com índia. É gente branca que atrapalha a nossa história, porque fica metendo a colher onde não é chamada.”

Talvez tenha sido o que Ivanice Tononé chama de “influência branca” o que a tenha afastado de Santxiê. Ao longo do tempo, tanto os fulni-ô como os kariri-xokó residentes no Bananal utilizaram o Santuário dos Pajés como espaço para realizar danças e rituais sagrados, conjunta ou isoladamente. No entanto, a pressão da Terracap pela desapropriação da área acabou dividindo a comunidade. Em 2007, quando as movimentações em torno do Setor Noroeste ganharam corpo e a construção do novo bairro parecia iminente, houve um racha entre os índios que não queriam sair em hipótese alguma e os que aceitavam ser removidos mediante o atendimento de algumas exigências.

Ao ser colocado contra a parede, Santxiê bateu o pé e quis ficar. Era a única alternativa para defender uma área que considera sagrada. Mas Tononé, orientada por um advogado particular, se dispôs a sair em troca de uma indenização: a kariri-xokó procuraria outro lugar para morar caso a Terracap pagasse 10% do valor que estava sendo negociado pelo Bananal no mercado imobiliário. Como na época a propriedade era avaliada em R$ 740 milhões, o grupo liderado por Ivanice exigiu uma quantia de R$ 74 milhões para entrar num acordo.

“A Terracap, obviamente, recusou a proposta”, explica Pelágio Gondim. Não apenas recusou, como utilizou a atitude de Ivanice para manipular as informações sobre a resistência indígena e arremeter contra a comunidade do Bananal.

Ivanice Tononé certamente não tinha noção da campanha midiática que seu pedido de compensação financeira iria desencadear. Santxiê talvez sim tivesse, e por isso resolveu se afastar da ex-companheira, refugiando-se no Santuário dos Pajés com seus parentes mais próximos e adotando uma postura pautada pela defesa intransigente da cultura indígena e dos modos tradicionais de vida.

“O papel do Santuário no Bananal é revitalizar”, define o fulni-ô. “É uma ocupação permanente, com hábito, costume e tradição viva, agregando o saber dos outros povos e transmitindo conhecimento ancestral.”

Na entrada do Santuário dos Pajés é possível ver flamulando as bandeiras azuis-claras da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidades cujos estatutos reconhecem o direito consagrado dos povos indígenas a territórios que ocupam de maneira tradicional. A casa de Santxiê está repleta de recortes que transcrevem trechos da Lei Federal 6.001/73, cujo texto garante ao índio a propriedade plena de áreas inferiores a 50 hectares das quais faz uso tradicional há mais de dez anos consecutivos. É exatamente o caso do Santuário. Placas de advertência na estrada que liga a cidade à terra indígena também fazem referência ao artigo 231 da Constituição. Entre seus muitos parágrafos, podemos citar o que diz:

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Santxiê e seus parentes do Santuário dos Pajés se aferram à legislação e aos direitos constitucionais para lutar contra o grande capital especulador personificado pela Terracap. Talvez por isso jamais tenham sido entrevistados pelos veículos de comunicação de massa que vêm publicando notícias sobre o Setor Noroeste e o impasse causado pela presença indígena.

O caso do Correio Braziliense ilustra bastante bem a questão. O jornalista Alan Schvarsberg apresentou à Universidade de Brasília (UnB) um levantamento da cobertura realizada sobre a construção do novo bairro entre março de 2008 e março de 2009. Nesse período foram publicadas 38 matérias relativas ao tema no caderno Cidades, que circula diariamente no Correio. A redação ouviu 18 pessoas para produzir todas as matérias que veiculou durante um ano sobre o Noroeste. Apesar de a questão indígena ter sido mencionada em 31 das 38 reportagens, os indígenas do Bananal só foram ouvidos em três ocasiões. E apenas dois deles foram consultados: Ivanice e Mareval, justamente os membros do grupo que havia aceitado liberar a área mediante pagamento de uma indenização milionária. O jornal chegou a publicar fotos de Santxiê e do Santuário dos Pajés para ilustrar as reportagens, mas nem ele nem qualquer outro índio que se recusa a deixar o território jamais foram ouvidos como fonte no período estudado por Schvarsberg.

Muitos menos explicou-se que ali os fulni-ô preservam sua língua e seus conhecimentos tradicionais, e que possuem um templo sagrado denominado Hendjadwália Ehty, a casa de deus construída em superadobe, cuja abertura no teto conectar os índios com o sol, a lua e as estrelas. O Correio Braziliense também se recusou a citar que os índios do Santuário dos Pajés promovem constantemente o reflorestamento de locais devastados dentro e fora de seu território. Não disse que cultivam ervas medicinais no Herbário Fitoterápico ou que o trabalho com as espécies vegetais do cerrado já rendera a Santxiê o Prêmio de Culturas Indígenas Xicão Xukuru, atribuído pelo Ministério da Cultura em 2007. Tampouco foi mencionado que o local recebe a visita de estudantes e universitários em busca de um contato real com as tradições indígenas, nem que serve de ponto de encontro entre lideranças tribais do Brasil e do exterior que eventualmente passam por Brasília em suas andanças políticas. Principalmente não foi dito que o Santuário dos Pajés é o único espaço existente na capital da República para a prática da cosmovisão indígena segundo os costumes tradicionais dos primeiros habitantes do país.

Coincidência ou não, no mesmo intervalo de tempo em que foram publicadas essas matérias, a seção Cidades do Correio Braziliense trouxe 94 anúncios imobiliários, muito deles estampados nas mesmas páginas que trouxeram notícias favoráveis à construção do Setor Noroeste e contrárias à presença indígena. Apenas quatro dessas peças publicitárias não traziam o selo da Pau1OOctavio, empresa do então vice-governador do Distrito Federal e uma das maiores entusiastas do Noroeste. Segundo Schvarsberg, as propagandas renderam mais de R$ 2 milhões ao Correio Braziliense.

Pau1OOctavio é a marca que luze bem grande junto à da construtora Rossi no imenso estande de vendas do Noroeste, um palácio erguido na Asa Norte de Brasília para catapultar a comercialização dos lotes. Ali estão em exibição as plantas e desenhos em três dimensões dos produtos imobiliários da linha Persona, sofisticados apartamentos de dois, três e quatro dormitórios localizados no mais novo bairro da cidade. São habitações de 76 a 556 metros quadrados, com direito a piscina, salão de festas, academia, sauna, espaço relax e um exclusivo espaço gourmet, tudo do melhor e mais moderno que o mercado pode oferecer em termos de moradia de alta classe.

A porta do estande se abre automaticamente ao visitante. Na recepção, um trio de mulheres bonitas, maquiadas e vestidas de preto, atende os compradores em potencial. Pedem nome e telefone e só então designam o interessado a um corretor de plantão. Apesar de nem minha roupa nem minha aparência combinarem com a sofisticação do recinto, fui bem atendido pelo funcionário que se dispôs a me mostrar as benesses do Noroeste. Entre suco, água, chá e café, escolhi este último e ouvi atentamente as vantagens de se morar no primeiro bairro ecologicamente correto do Brasil.

O preço é salgado, o corretor concorda, mas em seguida lista uma série de facilidades de pagamento que a Pau1OOctavio oferece à clientela. Um apartamento de dois quartos, com 78 metros quadrados e duas vagas na garagem, não sai por menos de R$ 750 mil. Já os de três dormitórios e 103 metros quadrados, também com duas vagas, têm um custo de R$ 997 mil. Residências com quatro quartos ultrapassam os R$ 2 milhões, tudo devidamente parcelado. Isso sem contar as coberturas dúplex com 556 metros quadrados. A entrega das chaves está prevista para 2012.

Pergunto ao corretor sobre a presença de índios no local. Afinal, adquirir um apartamento no Noroeste demanda um investimento pesado até para o bolso dos cidadãos mais remediados e, convenhamos, eu preciso ter alguma garantia de que meu dinheiro não vai se perder em meio a decisões judiciais favoráveis a um bando de invasores de terra.

“Os índios já foram retirados de lá”, me garante o funcionário da Pau1OOctavio. Claro, ele não fazia a menor ideia de que eu já havia visitado o Santuário dos Pajés e visto com meus próprios olhos que os indígenas seguem firmes na resistência.

“É mesmo?”, pergunto.

“Sim, houve alguns problemas, mas já foi tudo solucionado”, diz, procurando me tranquilizar. “Tanto que os imóveis já estão inclusive sendo vendidos.”

“Mas, vem cá”, insisto. O volume de minha voz vai diminuindo até se transformar num sussurro. “O Paulo Octavio que acabou de renunciar ao governo do Distrito Federal não é o mesmo Pau1OOctavio que está vendendo os apartamentos?”

O corretor responde afirmativamente, mas jura de pé junto que não haverá qualquer problema com o empreendimento. “Uma coisa é política, outra coisa é engenharia”, conclui.

Paulo Octavio, todo brasiliense sabe quem é. Carinhosa ou ironicamente chamado de PO, é de domínio público que sua fortuna saiu do mercado imobiliário e que seu nome domina o negócio da construção civil na capital do país. No último mês de fevereiro, Paulo Octavio unificou numa só pessoa o poder econômico e político do Distrito Federal ao assumir o governo. Infelizmente para ele, as circunstâncias não eram das melhores. PO teve que substituir José Roberto Arruda, que acabara de ser detido pela Polícia Federal após uma câmera escondida ter gravado seus assessores distribuindo maços de dinheiro a deputados distritais. O episódio ficou conhecido como “mensalão do DEM” e culminaria na renúncia de boa parte do primeiro escalão do governo. Alegando falta de apoio político de seu partido e de seus ex-aliados, Paulo Octavio, poucos dias depois de assumir o Palácio do Buriti, também achou melhor debandar.

Por isso, muita gente acredita que cedo ou tarde os laços entre o escândalo das propinas e o negócio imobiliário – Setor Noroeste incluído – serão desvendados. Além de Paulo Octavio, que tem nítidos interesses no novo bairro, Cássio Taniguchi e Antônio Gomes também pediram demissão após o estouro das denúncias. Eles comandavam, respectivamente, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma) e a Terracap. Para engrossar o lamaçal, a votação que aprovou na Câmara Legislativa o Plano Diretor do Ordenamento Territorial (PDOT) pode ter sido influenciada pelo pagamento de propinas. A normativa define onde se pode e onde não se pode construir dentro de Brasília e interessa sobremaneira às empreiteiras que estão investindo pesado no Noroeste e outros empreendimentos.

“Nós sabemos que o voto da base de governo para a aprovação do PDOT foi municiado com recursos públicos na forma de propina”, testifica a deputada distrital Érika Kokay, do PT. “O que nós estamos vivendo aqui é uma absurdidade, é surreal. Se construiu uma realidade fantasiosa e se vendeu essa realidade como se fosse verdadeira para alimentar a destruição de Brasília.”

A fantasia a que se refere a deputada diz respeito ao mal uso que o setor imobiliário faz do déficit habitacional de Brasília. De acordo com um levantamento realizado pelo Ministério das Cidades, a carência de imóveis no Distrito Federal em 2007 estava na casa dos 107 mil domicílios, sendo que a parcela da população que ganha até três salários mínimos mensais responde por 84% do problema. Logo, esperava-se que o governo promovesse empreendimentos que atendessem aos cidadãos mais atingidos pela falta de moradia. No entanto, o novo setor residencial de Brasília está dirigido à elite mais pudente da capital, que, por sua vez, contabiliza um déficit habitacional de somente 3,2%.

Quem é contrário ao Noroeste acredita que a construção de um bairro autoproclamado ecológico em cima da única área que resta de cerrado dentro do Plano Piloto, e ainda por cima atropelando direitos indígenas, é a continuação da política de favorecimento que desde sempre dominou a vida pública do Distrito Federal e que desembocou agora, no ano do cinquentenário, com um governador literalmente atrás das grades. “É um atentado à inteligência”, conclui Érika Kokay.

É verdade que o empreendimento recebeu do Ibama tanto a licença prévia como a licença de instalação do projeto. No entanto, historicamente a relação de Brasília com a natureza não tem sido das melhores. Desde que foi construída, a capital da República só tem feito devastar o cerrado em benefício da expansão populacional. A destruição se traduz em números. Em 1973, por exemplo, o concreto cobria 122 quilômetros quadrados do Distrito Federal. Trinta anos depois, a urbe praticamente quadruplicaria seu alcance a 439 quilômetros quadrados. A ocupação do território, via de regra desordenada e irregular numa cidade reconhecida pela excelência de seu planejamento urbanístico, causou uma série de problemas estruturais que apenas agora está mostrando sua face.

“Hoje temos uma situação de abastecimento de água muito complicada”, explica Gustavo Souto Maior, presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), autarquia ligada ao governo do Distrito Federal. “Estamos produzindo a mesma quantidade de água que consumimos, e a alternativa futura que teríamos era justamente a barragem de São Bartolomeu, que já não pode ser construída devido à ocupação imobiliária irregular.” Souto Maior explica que a opção que está se concretizando entre as autoridades, a última delas, é o Lago Paranoá.

Por mais ecologicamente correto que seja, e por mais que viabilize a expansão de Brasília dentro de padrões ambientais aceitáveis, o Noroeste irá agravar o problema do abastecimento de água no Distrito Federal porque será construído em cima de uma área de recarga de aquíferos e mananciais que abastecem precisamente a bacia do Paranoá. O projeto prevê reduzir os efeitos da impermeabilização do solo no que hoje é uma área de mata nativa, mas o asfaltamento inevitavelmente impedirá a infiltração das chuvas e reduzirá a absorção de água pelos lençóis freáticos que abastecem o lago. Além disso, a pavimentação aumentará o volume das enxurradas, o que, Ibama e Ibram concordam, pode intensificar o processo de assoreamento dos cursos d’água locais.

O primeiro bairro verde do Brasil também será responsável pela derrubada de aproximadamente 150 mil árvores. O desflorestamento está previsto no licenciamento ambiental concedido à Terracap pelo Ibama. Em contrapartida, porém, a Companhia Imobiliária de Brasília terá que replantar 30 mudas para cada tronco decepado. Isso quer dizer que o governo terá que restituir o cerrado com 4,5 milhões de novas plantas, ao custo total de R$ 103 milhões. Esta é a exigência dos organismos ambientais, mas nem todos concordam com as compensações. “Isso é um exagero”, contesta Paulo Zimbres, arquiteto responsável pelo projeto do Noroeste. “Não existe mais espaço pra plantar tantas árvores. As áreas urbanizadas estão crescendo e o banco de árvores a serem plantadas está ficando gigantesco.”

O raciocínio de Paulo Zimbres reflete a linha de ação que tem sido historicamente adotada no Distrito Federal quando a expansão urbana se depara com as barreiras naturais do cerrado. Tanto o meio ambiente como o bem-estar da maioria da população têm permanecido em segundo plano frente aos interesses imobiliários. E a palavra de Lúcio Costa, elevado às alturas como o gênio por trás da construção de Brasília, tem sido invariavelmente utilizada para defender os interesses dessa expansão.

“Em Brasília transformaram o urbanista num mito e deram a ele o poder de deliberar sobre a criação da própria cidade, um poder que não existe em nenhum outro lugar. Mas, claro, a palavra de Lúcio Costa só vira lei na medida em que se adéqua aos interesses do mercado imobiliário”, afirma Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB. “O pessoal tira do caderninho de Lúcio Costa apenas as frases que vão servir à especulação. E não se discute. É como se ele fosse um grande xamã urbano.”

Diante de tamanho imbróglio, o Ministério Público, baseado nas leis brasileiras e nos acordos internacionais que defendem o direito das populações indígenas, resolveu agir. Antes de aplicar a legislação, porém, seria necessário obter uma confirmação oficial de que os indígenas residentes no Santuário dos Pajés podem ser legalmente reconhecidos como uma comunidade tradicional. Para tanto, a procuradora Luciana Loureiro acionou a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja direção jamais se pronunciou publicamente sobre o caso. Aliás, pelo menos desde 1996 o órgão indigenista vem recebendo pedidos, muitos deles redigidos pelo próprio Santxiê Tapuya, para realizar um estudo antropológico que pudesse comprovar ou não a tradicionalidade da ocupação no Santuário dos Pajés. Alguns levantamentos prévios chegaram a ser realizados, mas nunca houve um relatório conclusivo. Aliás, a única conclusão a que se chegou foi a de que era necessário conduzir uma análise científica mais aprofundada sobre a presença dos fulni-ô no Plano Piloto.

A Procuradoria percebeu, então, que a única maneira de resolver o impasse era obrigar a Funai a se pronunciar sobre a questão. Se Santxiê e os demais índios que habitam o Bananal puderem ser oficialmente legitimados como herdeiros de um povo originário; se for confirmado que ocupam a terra de forma tradicional, segundo os costumes de suas etnias; e se ficar patente o fato de que repassam para as futuras gerações as características principais de sua cultura ancestral, como o idioma, os rituais sagrados e o conhecimento das ervas medicinais – então a Justiça deve reconhecê-los e protegê-los, dando início ao processo de demarcação da terra indígena. É o que diz a lei.

Por determinação dos tribunais brasilienses e com pelo menos vinte anos de atraso, o órgão governamental responsável por defender os direitos dos povos indígenas brasileiros está finalmente realizando as diligências antropológicas no Bananal. O trabalho dos peritos é esclarecer se a demanda dos índios é coletiva ou individual, quem são os indígenas que vivem na área, quando chegaram, de qual etnia são, quais vínculos que possuem com o território etc. As pesquisas são feitas a partir do uso de metodologias mundialmente consagradas, como os métodos da observação direta, genealógica e da história de vida dos índios.

O ano em que Brasília completa 50 anos é o mesmo que marca o centenário de nascimento do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), primeiro órgão indigenista criado pelo governo federal, que mais tarde seria extinto para dar origem à Funai. Brasília festeja seu cinquentenário no dia 21 de abril, dois dias depois que o calendário brasileiro comemora o Dia do Índio. Em 1997, entre uma data e outra, Galdino Jesus dos Santos, liderança do povo pataxó hã-hã-hãe da Bahia, foi queimado vivo por jovens brasilienses de classe-média enquanto dormia num ponto de ônibus a poucos metros da sede do órgão que deveria zelar por seu bem-estar.

Tantas efemérides me encontram no Santuário dos Pajés, acompanhado de Santxiê, que me mostra a clareira aberta por um buldózer dentro da terra indígena. A mesma determinação judicial que obrigou a Funai a realizar a diligência antropológica também proibiu a Terracap de trabalhar no terreno reivindicado pelos índios até que haja um posicionamento formal sobre o assunto. O resto da área está liberado para as obras de infraestrutura do novo bairro, e neste exato momento há máquinas desmatando, revirando o cerrado e ilhando os índios nos 50 hectares de preservação que reivindicam como terra sagrada.

Korubo aparece ao longe, conversando com uma pessoa de moto que ninguém ali sabe quem é. Não demora muito, vem a nosso encontro. Traz no rosto certo abatimento. “Acabei de levar um murro na cara”, lamenta, enquanto mostra o supercílio inchado e vermelho devido à pancada. “Eu estava dizendo pra aquele rapaz que aqui é uma área indígena, que não pode ficar entrando, e ele me bateu”. Korubo está nervoso, não sabe quem é ou de onde surgiu seu agressor e quer voltar lá acompanhado para tirar satisfações, mas Santxiê acaba por tranquilizá-lo.

A situação me constrange, e de pronto sinto que a pressão em cima do Santuário dos Pajés, diferente da raiva de Korubo, não vai se dissipar tão logo. Governo, imprensa, tratores e uma vizinhança que se aproveita do abandono do lugar estarão à espreita por tempo indeterminado. Sei que os indígenas, cautelosos, seguirão impedindo suas mulheres e crianças de circular sozinhas fora da reserva, e que os apartamentos milionários do Noroeste não deixarão de ser comercializados no requintado estande da Asa Norte.

Parece que é no vazio criado pela omissão das autoridades brasileiras que os indígenas do Bananal, herdeiros de uma luta de 510 anos, encontram forças para seguir resistindo. E é o silêncio ensurdecedor da Funai – ainda mais que os lobisomens de Brasília – que não deixa Korubo pregar os olhos na noite de aberrações do Planalto Central. –tadeu breda (cc)

Órfãos da mãe Brasília

Brasília completa 50 anos em abril comemorando o início das obras do primeiro bairro ecológico do país, cuja construção deverá derrubar 150 mil árvores nativas e desalojar a única comunidade indígena instalada tradicionalmente no cerrado do Distrito Federal

Por Tadeu Breda

Korubo gosta de construir suas casas em cima das árvores. Apurando a vista é possível identificar algumas delas escondidas entre os galhos retorcidos que se espalham pelo horizonte do cerrado. Uma ou duas ripas de madeira, presas com cordas ou pregos, servem de cama. Um pedaço de plástico eventualmente faz as vezes de teto. No alto, Korubo encontra refúgio seguro contra as surpresas da madrugada.

Ultimamente, no entanto, suas noites não têm sido das mais tranquilas. A altura o protege dos animais que perambulam pela escuridão, mas na verdade nem são os bichos da mata que deixam Korubo de orelha em pé.

Fico acordado até tarde para afugentar o lobisomem”, diz.

A mesma fogueira que cozinha nosso jantar também ilumina seu rosto. Korubo é um índio de cabelos ralos e longos, corpulento apesar de sua baixa estatura. A mistura de português com espanhol que sai de sua boca é fruto dos anos que viveu na Amazônia, numa região da floresta que não enxerga fronteiras entre o Brasil e o Peru. Nosso encontro, porém, se dá no Planalto Central, em noite de lua cheia. O céu está forrado de estrelas e o olhar de Korubo deixa transparecer que, pelo menos nestas paragens, a aparição da criatura que é lobo e homem ao mesmo tempo, ou homem lobo do homem, não está condicionada aos caprichos do calendário lunar.

O que perturba o sono de Korubo e dos demais índios que vivem na Terra Indígena do Bananal, localizada dentro do perímetro urbano da capital da República, é o avanço das obras que pretendem erguer exatamente ali, ao preço de R$ 8 mil o metro quadrado, o bairro mais moderno e ecologicamente correto que Brasília jamais viu em seus 50 anos de história.

Desde a década de noventa os dias e as noites dos índios que vivem em comunhão com a mãe-terra em pleno Plano Piloto são pontuados de ameaças e incertezas. A situação, no entanto, ficou mais tensa após a eleição de José Roberto Arruda para comandar o Distrito Federal, em 2006. Entre os projetos prioritários do novo governador estava a materialização de um empreendimento imobiliário idealizado há mais vinte anos e que até então não tinha saído do papel.

O motivo das rondas noturnas de Korubo para afastar o lobisomem tem suas raízes em 1987. Foi nesta época que Lúcio Costa, já octogenário, viajou a Brasília a convite do governo Aparecido de Oliveira e redigiu algumas observações sobre o crescimento da capital. O Distrito Federal estava prestes a completar três décadas de existência, e Lúcio Costa achou pertinente opinar sobre os rumos da cidade modernista que havia projetado em parceria com Oscar Niemeyer. Assim nasceu um documento intitulado Brasília Revisitada.

Entre muitas sugestões pensadas no sentido de não descaracterizar o projeto original, Lúcio Costa escreveu que o Plano Piloto, se necessário fosse, poderia expandir o alcance de seu concreto em direção a dois bairros ainda inexistentes. A eles deu o nome de Oeste Sul e Oeste Norte. O urbanista não deixou nenhum desenho que ilustrasse suas derradeiras ideias sobre a capital, mas, segundo seus escritos, as novas aglomerações residenciais deveriam se localizar em áreas contíguas às Asas Sul e Norte, como se fossem os elevadores – aquelas asinhas traseiras – do avião que se traveste de cidade quando se contempla Brasília do alto. Para os novos setores, Lúcio Costa previu quadras com edifícios de três pavimentos e superquadras com prédios de seis andares, deixando bem claro que a expansão urbana do Plano Piloto deveria “responder à demanda habitacional popular” e também à classe-média.

Brasília Revisitada traz ainda uma série de anotações que jamais encontrariam cabida no cotidiano da cidade. O desejo de Lúcio Costa era ver uma capital sem engarrafamentos e com um sistema público de transportes eficiente e moderno, mas basta ir a Brasília para perceber que a quantidade de veículos – aproximadamente um para cada dois habitantes – inviabiliza a fluidez do tráfego na hora do rush. Os ônibus em geral são antigos e transportam pouco mais de 14 milhões de passageiros ao mês. A orla do Lago Paranoá, que o urbanista idealizou para ser de livre acesso a todos, está tomada por condomínios de luxo e outras edificações irregulares que privatizaram boa parte da praia dos brasilienses. A intenção de promover um crescimento ordenado das chamadas cidades-satélites também se veria frustrada, assim como a noção de que Brasília não deveria nunca se transformar numa grande metrópole, como é atualmente, com 2,6 milhões de habitantes vivendo de serviços e burocracia.

Muito daquilo que Lúcio Costa pensou para aprimorar o funcionamento da capital não foi levado em consideração por nenhum dos sucessivos governos que em meio século passaram pelo Palácio do Buriti. O urbanista foi solene e especialmente ignorado nas recomendações de cunho social e coletivista que contemplassem a qualidade de vida da maior parcela da população, que hoje se concentra em cidades carentes dos serviços mais básicos, distantes dos postos de trabalho, com baixos índices de desenvolvimento humano e altas taxas de criminalidade. Cerca de 80% dos brasilienses vivem foram do Plano Piloto, que é onde estão 70% dos empregos.

O Estado não foi omisso, porém, na hora de construir o bairro Oeste Sul. Rebatizado como Sudoeste, o novo conjunto habitacional brotaria da lama durante a gestão de Joaquim Roriz, que viabilizou no local previsto por Lúcio Costa a construção de um setor residencial e um parque. Roriz, assim como outros governadores do Distrito Federal, também tentaria materializar o setor Oeste Norte, mas o bairro, agora chamado Noroeste, não deixaria o mundo das ideias até que José Roberto Arruda assumisse o governo, tendo como vice o megaempreendedor imobiliário Paulo Octavio, um dos homens mais ricos de Brasília, casado com a neta de Juscelino Kubitschek e autointitulado “herdeiro político” do fundador de Brasília.

Em janeiro de 2007, nada mais tomar posse, Arruda deu à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) a missão de implementar de uma vez por todas o bairro que faltava para concluir o Plano Piloto. Junto com a nova área, seguindo os moldes do Sudoeste, estava prevista a construção de um novo parque. O projeto já vinha sendo delineado desde o governo Cristovam Buarque (1995-1999) e aguardava apenas a vontade política do Executivo para se concretizar. Agora já não faltava nada.

O Noroeste pretende ser o primeiro bairro ecologicamente correto do Brasil. Para isso, vai ocupar com edificações apenas 313 de seus 821 hectares de área total. O resto será preenchido com muito muito verde. Terá 20 quadras residenciais e 24 quadras comerciais e foi projetado para oferecer moradias de alto padrão para cerca de 40 mil pessoas. Para reduzir os impactos ambientais, uma série de tecnologias inovadoras será adotada. Uma delas é o reaproveitamento da água das chuvas para regar os jardins e abastecer os lagos artificiais do Parque Burle Marx, contíguo às residências. Outro destaque é o aproveitamento máximo da energia solar.

No Noroeste será proibido utilizar chuveiro elétrico, que hoje em dia é o maior consumidor de energia principalmente em horário de pico”, explica o deputado federal Cássio Taniguchi, mentor ambiental do projeto. “Gostaríamos que o bairro fosse totalmente autossuficiente em energia. Por isso, o lixo orgânico será eventualmente utilizado para geração de eletricidade por meio da compostagem.”

Ainda em matéria de resíduos domésticos, haverá no Noroeste um sistema de coleta por sucção à vácuo que promete desaparecer com os caminhões de lixo e reduzir a zero a quantidade de detritos nas vias públicas. O bairro também terá uma rede de ciclovias e faixas exclusivas destinadas ao transporte coletivo para, quem sabe, reduzir a dependência do veículo particular.

O Plano Piloto foi projetado para abrigar 500 mil habitantes. Hoje abriga tão-somente 220 mil. Há vazios urbanos imensos aqui dentro”, continua Taniguchi. “Temos que adensar, mas não de qualquer jeito. A ocupação deve ser bem definida, bem estruturada e controlada. É disso que se trata.”

O diferencial ecológico, obviamente, faz parte da publicidade em torno do novo bairro. Todos os anúncios que se espalham pela sociedade brasiliense propagandeando o Noroeste levam invariavelmente a cor verde e outras menções diretas e indiretas à preservação dos ecossistemas no Planalto Central. Alguns folhetos trazem inclusive sementes de ipê amarelo, espécie típica do cerrado, junto com instruções para o plantio.

As previsões da Terracap apontam para a geração de 30 mil empregos diretos assim que for acionada a cadeia produtiva que viabilizará o novo bairro. Como se trata do maior e mais moderno empreendimento imobiliário do Brasil, o Noroeste irá necessitar dos serviços de profissionais tão díspares quanto engenheiros ambientais e operários da construção civil. Apenas a venda das projeções do setor residencial deve arrecadar R$ 3 bilhões aos cofres públicos. Outras estimativas dão conta de que ali está em gestação uma massa financeira de até R$ 11 bilhões em serviços imobiliários.

Se a gente comparar como foi o modelo de expansão do Distrito Federal, cujo histórico é de ocupação irregular, o Noroeste saiu muito à frente”, explica Hugo Américo, superintendente substituto do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “O bairro ainda está sendo implantado, mas já passou por uma análise prévia muito grande para tentar mitigar ao máximo os impactos ambientais. Se tudo for feito nos moldes do processo e nas condicionantes ambientais que foram colocadas, o Noroeste com certeza será dos bairros mais ecológicos do Brasil.”

Com todas as licenças ambientais outorgadas e algumas pendências jurídicas aprovadas, em dezembro de 2008 a Terracap conseguiu registrar em cartório a joia de sua coroa imobiliária. Um mês depois o governo do Distrito Federal lançou a pedra fundamental do novo setor e, sempre correndo contra o relógio, começou a trabalhar na licitação que venderia as projeções do Noroeste. Os primeiros 55 lotes foram arrematados no dia 29 de janeiro de 2009. Em apenas duas horas a Terracap faturou R$ 537 milhões, mais do que nos quatro anos do governo anterior.

Foi então que o lobisomem começou a visitar com mais frequência a Terra Indígena do Bananal, obrigando Korubo a trocar suas noites de sono no alto das árvores pela vigília madrugada adentro.

É verão e chove bastante no Distrito Federal. São pés d’água esparsos. Enquanto a chuva cai inclemente sobre uma parte da paisagem, o sol ilumina outra logo adiante. As nuvens parecem um regador que passeia sobre o firmamento molhando o cerrado como se fosse um jardim, pacientemente, uma parte de cada vez. O céu neste pedaço do Brasil, de tão grandioso, é capaz de abrigar nuvens carregadas que antecipam a noite e, ao mesmo tempo, azuis límpidos de um cor-de-rosa que enternece os entardeceres.

Com seus cabelos longos e grisalhos, colares no pescoço e shorts vermelho, o pajé Santxiê Tapuya, uma das lideranças da Terra Indígena do Bananal, conversa comigo debaixo de um abacateiro. Estou sentado sobre uma cadeira de plástico, ele, numa tora de madeira. Está sem camisa e pita sem parar um cachimbo recheado com fumo de corda, que intercala com goles de café. O chão vermelho é de terra batida. Famílias inteiras de galos, galinhas e pintinhos ciscam em busca de alimento, e um casal de filhotes caninos vez ou outra vem bulir conosco mordendo nossos pés descalços.

O homem que capitaneia a resistência indígena no Bananal contra as ambições imobiliárias do governo brasiliense tem 53 anos e nasceu numa aldeia que rodeia a cidade de Águas Belas, no sertão pernambucano. Santxiê é filho da etnia fulni-ô e faz questão de preservar as tradições do único povo ancestral do Nordeste que conseguiu manter vivo e ativo seu idioma. Apesar de todos no Bananal falarem e compreenderem o português, é recitando o verbo suave e ritmado do yathê – nossa fala – que o pajé se comunica com os seus.

É Santxiê quem me explica: os primeiros fulni-ô a se estabelecerem no Planalto Central durante século XX, assim como muitos outros brasileiros, vieram a Brasília dispostos a moldar, com muito concreto e suor, os edifícios de arquitetura arrojada desenhados por Oscar Niemeyer. Nos idos de 1958, o Planalto Central era o eldorado para homens e mulheres pobres que buscavam uma oportunidade para mudar de vida. Mais tarde ficariam conhecidos como “candangos”, e perderiam rapidamente o título de heróis nacionais para se transformarem em problema social quando resolveram permanecer em Brasília ao invés de retornarem para suas casas.

Entre os que vieram, trabalharam e ficaram, estavam os fulni-ô José Ribeiro, Elói Lúcio, José Carlos Veríssimo e Antônio Inácio Severo. Este último ficaria conhecido no canteiro de obras como Índio Juscelino. Entre os indígenas com quem assentava tijolos, porém, Antônio era chamado de Cacique Zumba. São três maneiras de chamar a mesma pessoa, a quem Santxiê, pelo grau de parentesco, também se refere como tio.

Uma das características mais importantes da cultura fulni-ô é a prática do Ouricuri, espécie de ritual sagrado que acontece tradicionalmente uma vez ao ano. Conforme o mês de agosto vai chegando ao fim, os indígenas se preparam para um período de dois meses de isolamento. Apenas autênticos filhos da aldeia alfabetizados no yathê podem participar dos festejos. Quem não é fulni-ô ou não fala o idioma está fora. Por isso, pouca coisa se sabe sobre os detalhes do ritual. O antropólogo mexicano Jorge Hernández Díaz estudou os costumes indígenas de Águas Belas na década de oitenta e, no atlas Povos Indígenas do Brasil, publicado pelo Instituto Socioambiental, dá alguns indícios de como os fulni-ô se comportam durante os meses sagrados. Dentro do Ouricuri, por exemplo, a tradição impede o consumo de bebidas alcoólicas, e não se toca nem se escuta outro tipo de música que não as canções próprias da cerimônia. A abstinência sexual é praticada em alguns momentos e, em outros, os índios se sentam para discutir os problemas da tribo e nomear lideranças.

Seja como for, foi procurando um espaço para praticar rituais sagrados que exigem isolamento que o Índio Juscelino e os demais fulni-ô teriam encontrado, dentro de Brasília, uma área de mata que estivesse afastada tanto dos canteiros de obra como das vilas operárias.

O antropólogo Rodrigo Nacif fala da existência de muitos relatos que atestam a história do Cacique Zumba contada por Santxiê. Um deles partiu da boca do arquiteto brasiliense Carlos Guimarães, braço direito de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que supervisionava as obras durante a construção da capital. “Ele confirmou que os trabalhadores comentavam sobre o hábito dos índios de se ausentarem para praticar seus rituais em algum lugar do cerrado”, relata Nacif.

Santxiê não tem a menor dúvida de que o local encontrado pelo Índio Juscelino e outros parentes de Águas Belas para praticar sua espiritualidade dentro do Distrito Federal é o mesmo onde ele agora vive. Por isso mesmo resolveu mudar o nome do lugar, de Terra Indígena do Bananal, para Terra Indígena Santuário dos Pajés.

Eles já sabiam que se tratava de uma terra sagrada”, confirma, comentando que muito perto dali existem cemitérios ancestrais e outros indícios de ocupação imemorial.

Santxiê atesta que o avanço dos bandeirantes pelo interior do Brasil, assassinando e expulsando os índios das regiões mais próximas da costa atlântica, fez com que uma infinidade de povos nativos se instalassem no Planalto Central. Rabiscando o chão com um graveto, o pajé argumenta ainda que a região era cruzada por um rota tradicional de migração indígena. Tudo isso, segundo ele, estaria relacionado direta ou indiretamente ao povo do qual descende, fulni-ô, os últimos tapuias.

Obviamente, com um projeto bilionário nas mãos, a Terracap não acredita em um pingo sequer dessa história. Mais que isso, o governo do Distrito Federal tem sua própria versão sobre a presença dos índios no Bananal. E o raciocínio oficial é simples: toda a extensão do Noroeste pertence legalmente à Terracap. É o que dizem as escrituras e os registros em cartório. Como a Terracap está ligada à administração distrital, é plausível argumentar que o Santuário dos Pajés está localizado numa propriedade do Estado. Logo, na visão da Companhia Imobiliária de Brasília, os indígenas que vivem ali são invasores de terras públicas. “Sem lugar para morar, eles acabaram ocupando a área onde atualmente se encontram. Para todos os brasilienses foi uma grande surpresa saber que em Brasília havia tribos e que esses índios viviam embrenhados no Noroeste”, diz Pelágio Gondim, assessor de imprensa da companhia.

Aqui começa uma batalha ideológica travada pelo governo em conluio com o maior diário do Distrito Federal, o Correio Braziliense, com o objetivo de conquistar os corações e as mentes da opinião pública contra a permanência dos indígenas no Bananal e a favor da construção do primeiro bairro ecológico do Brasil.

Além de Santxiê, Korubo e os cerca de dez índios que vivem e resistem no Santuário dos Pajés, há um outro agrupamento no local. A população varia conforme a época do ano, as visitas à terra natal e os imperativos espirituais. Ivanice Tononé, da etnia kariri-xokó, é quem responde pelos demais indígenas que habitam o Noroeste. As circunstâncias que a levaram a Brasília e, mais especificamente, até o Bananal são um pouco diferentes das que trouxeram Santxiê.

O pajé chegou definitivamente por volta de 1976, com a intenção de se juntar aos familiares que já residiam na área. Desde a década de sessenta, no entanto, Santxiê vinha regularmente para visitar a mãe, dona Maria Veríssimo Machado, que também havia se deslocado a Brasília devido à presença dos parentes.

A região de Águas Belas, terra originária dos fulni-ô, se localiza na porção pernambucana do chamado Polígono das Secas. Segundo o Ministério da Integração Nacional, o Polígono das Secas é definido como “um território sujeito a períodos críticos de prolongada estiagem”. Abrange oito estados do semi-árido nordestino e frequentemente ganha o noticiário de tragédias brasileiras por casos de desnutrição e falta d’água. Santxiê veio para o Planalto Central, ele mesmo diz, fugido da pobreza e de condições de trabalho indignas.

Teve uma fome muito grande lá, uma miséria, uma epidemia de cólera”, lembra. O pajé ainda passaria uma temporada no Rio de Janeiro antes de retornar a Brasília e se fixar de vez no Bananal.

Já Ivanice chegou à capital em busca de atendimento médico e acabou ficando. É original do município alagoano de Porto Real do Colégio, localizado às margens do rio São Francisco, na divisa com Sergipe. É lá que vivem os cerca de 1,7 mil remanescentes da etnia kariri-xokó, que infelizmente perderam sua língua nativa devido ao contato com o colonizador.

Os kariri-xokó representam, na realidade, o que resta da fusão de vários grupos tribais depois de séculos de aldeamento e catequese. Seu cotidiano é muito semelhante ao das populações rurais de baixa renda que vendem sua força de trabalho nas diferentes atividades agropecuárias da região”, escreve a antropóloga Vera Lúcia da Mata, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Contudo, pode-se dizer que é um grupo que tem sua indianidade preservada pela manutenção do ritual do Ouricuri.”

Segundo o atlas Povos Indígenas do Brasil, assim como acontece entre os fulni-ô de Pernambuco, os kariri-xokó de Alagoas não revelam detalhes de seu ritual sagrado. Sabe-se, entretanto, que são cerimônias distintas.

Ivanice conta que foi Santxiê quem a ajudou nos primeiros meses de Brasília, quando não tinha onde ficar. Isso foi em 1986. “Depois eu fiz as casas, as ocas e criei meus filhos. Trouxe minha família pra cá e fiquei morando com meu povo. O tempo foi passando e ninguém nem sabia que a gente morava aqui”, explica. Ivanice diz que com ela vivem oito famílias, a maioria indígena, mas nem todos. “Tem índio que é casado com branca e branco que é casado com índia. É gente branca que atrapalha a nossa história, porque fica metendo a colher onde não é chamada.”

Talvez tenha sido o que Ivanice Tononé chama de “influência branca” o que a tenha afastado de Santxiê. Ao longo do tempo, tanto os fulni-ô como os kariri-xokó residentes no Bananal utilizaram o Santuário dos Pajés como espaço para realizar danças e rituais sagrados, conjunta ou isoladamente. No entanto, a pressão da Terracap pela desapropriação da área acabou dividindo a comunidade. Em 2007, quando as movimentações em torno do Setor Noroeste ganharam corpo e a construção do novo bairro parecia iminente, houve um racha entre os índios que não queriam sair em hipótese alguma e os que aceitavam ser removidos mediante o atendimento de algumas exigências.

Ao ser colocado contra a parede, Santxiê bateu o pé e quis ficar. Era a única alternativa para defender uma área que considera sagrada. Mas Tononé, orientada por um advogado particular, se dispôs a sair em troca de uma indenização: a kariri-xokó procuraria outro lugar para morar caso a Terracap pagasse 10% do valor que estava sendo negociado pelo Bananal no mercado imobiliário. Como na época a propriedade era avaliada em R$ 740 milhões, o grupo liderado por Ivanice exigiu uma quantia de R$ 74 milhões para entrar num acordo.

A Terracap, obviamente, recusou a proposta”, explica Pelágio Gondim. Não apenas recusou, como utilizou a atitude de Ivanice para manipular as informações sobre a resistência indígena e arremeter contra a comunidade do Bananal.

Ivanice Tononé certamente não tinha noção da campanha midiática que seu pedido de compensação financeira iria desencadear. Santxiê talvez sim tivesse, e por isso resolveu se afastar da ex-companheira, refugiando-se no Santuário dos Pajés com seus parentes mais próximos e adotando uma postura pautada pela defesa intransigente da cultura indígena e dos modos tradicionais de vida.

O papel do Santuário no Bananal é revitalizar”, define o fulni-ô. “É uma ocupação permanente, com hábito, costume e tradição viva, agregando o saber dos outros povos e transmitindo conhecimento ancestral.”

Na entrada do Santuário dos Pajés é possível ver flamulando as bandeiras azuis-claras da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidades cujos estatutos reconhecem o direito consagrado dos povos indígenas a territórios que ocupam de maneira tradicional. A casa de Santxiê está repleta de recortes que transcrevem trechos da Lei Federal 6.001/73, cujo texto garante ao índio a propriedade plena de áreas inferiores a 50 hectares das quais faz uso tradicional há mais de dez anos consecutivos. É exatamente o caso do Santuário. Placas de advertência na estrada que liga a cidade à terra indígena também fazem referência ao artigo 231 da Constituição. Entre seus muitos parágrafos, podemos citar o que diz:

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Santxiê e seus parentes do Santuário dos Pajés se aferram à legislação e aos direitos constitucionais para lutar contra o grande capital especulador personificado pela Terracap. Talvez por isso jamais tenham sido entrevistados pelos veículos de comunicação de massa que vêm publicando notícias sobre o Setor Noroeste e o impasse causado pela presença indígena.

O caso do Correio Braziliense ilustra bastante bem a questão. O jornalista Alan Schvarsberg apresentou à Universidade de Brasília (UnB) um levantamento da cobertura realizada sobre a construção do novo bairro entre março de 2008 e março de 2009. Nesse período foram publicadas 38 matérias relativas ao tema no caderno Cidades, que circula diariamente no Correio. A redação ouviu 18 pessoas para produzir todas as matérias que veiculou durante um ano sobre o Noroeste. Apesar de a questão indígena ter sido mencionada em 31 das 38 reportagens, os indígenas do Bananal só foram ouvidos em três ocasiões. E apenas dois deles foram consultados: Ivanice e Mareval, justamente os membros do grupo que havia aceitado liberar a área mediante pagamento de uma indenização milionária. O jornal chegou a publicar fotos de Santxiê e do Santuário dos Pajés para ilustrar as reportagens, mas nem ele nem qualquer outro índio que se recusa a deixar o território jamais foram ouvidos como fonte no período estudado por Schvarsberg.

Muitos menos explicou-se que ali os fulni-ô preservam sua língua e seus conhecimentos tradicionais, e que possuem um templo sagrado denominado Hendjadwália Ehty, a casa de deus construída em superadobe, cuja abertura no teto conectar os índios com o sol, a lua e as estrelas. O Correio Braziliense também se recusou a citar que os índios do Santuário dos Pajés promovem constantemente o reflorestamento de locais devastados dentro e fora de seu território. Não disse que cultivam ervas medicinais no Herbário Fitoterápico ou que o trabalho com as espécies vegetais do cerrado já rendera a Santxiê o Prêmio de Culturas Indígenas Xicão Xukuru, atribuído pelo Ministério da Cultura em 2007. Tampouco foi mencionado que o local recebe a visita de estudantes e universitários em busca de um contato real com as tradições indígenas, nem que serve de ponto de encontro entre lideranças tribais do Brasil e do exterior que eventualmente passam por Brasília em suas andanças políticas. Principalmente não foi dito que o Santuário dos Pajés é o único espaço existente na capital da República para a prática da cosmovisão indígena segundo os costumes tradicionais dos primeiros habitantes do país.

Coincidência ou não, no mesmo intervalo de tempo em que foram publicadas essas matérias, a seção Cidades do Correio Braziliense trouxe 94 anúncios imobiliários, muito deles estampados nas mesmas páginas que trouxeram notícias favoráveis à construção do Setor Noroeste e contrárias à presença indígena. Apenas quatro dessas peças publicitárias não traziam o selo da Pau1OOctavio, empresa do então vice-governador do Distrito Federal e uma das maiores entusiastas do Noroeste. Segundo Schvarsberg, as propagandas renderam mais de R$ 2 milhões ao Correio Braziliense.

Pau1OOctavio é a marca que luze bem grande junto à da construtora Rossi no imenso estande de vendas do Noroeste, um palácio erguido na Asa Norte de Brasília para catapultar a comercialização dos lotes. Ali estão em exibição as plantas e desenhos em três dimensões dos produtos imobiliários da linha Persona, sofisticados apartamentos de dois, três e quatro dormitórios localizados no mais novo bairro da cidade. São habitações de 76 a 556 metros quadrados, com direito a piscina, salão de festas, academia, sauna, espaço relax e um exclusivo espaço gourmet, tudo do melhor e mais moderno que o mercado pode oferecer em termos de moradia de alta classe.

A porta do estande se abre automaticamente ao visitante. Na recepção, um trio de mulheres bonitas, maquiadas e vestidas de preto, atende os compradores em potencial. Pedem nome e telefone e só então designam o interessado a um corretor de plantão. Apesar de nem minha roupa nem minha aparência combinarem com a sofisticação do recinto, fui bem atendido pelo funcionário que se dispôs a me mostrar as benesses do Noroeste. Entre suco, água, chá e café, escolhi este último e ouvi atentamente as vantagens de se morar no primeiro bairro ecologicamente correto do Brasil.

O preço é salgado, o corretor concorda, mas em seguida lista uma série de facilidades de pagamento que a Pau1OOctavio oferece à clientela. Um apartamento de dois quartos, com 78 metros quadrados e duas vagas na garagem, não sai por menos de R$ 750 mil. Já os de três dormitórios e 103 metros quadrados, também com duas vagas, têm um custo de R$ 997 mil. Residências com quatro quartos ultrapassam os R$ 2 milhões, tudo devidamente parcelado. Isso sem contar as coberturas dúplex com 556 metros quadrados. A entrega das chaves está prevista para 2012.

Pergunto ao corretor sobre a presença de índios no local. Afinal, adquirir um apartamento no Noroeste demanda um investimento pesado até para o bolso dos cidadãos mais remediados e, convenhamos, eu preciso ter alguma garantia de que meu dinheiro não vai se perder em meio a decisões judiciais favoráveis a um bando de invasores de terra.

Os índios já foram retirados de lá”, me garante o funcionário da Pau1OOctavio. Claro, ele não fazia a menor ideia de que eu já havia visitado o Santuário dos Pajés e visto com meus próprios olhos que os indígenas seguem firmes na resistência.

É mesmo?”, pergunto.

Sim, houve alguns problemas, mas já foi tudo solucionado”, diz, procurando me tranquilizar. “Tanto que os imóveis já estão inclusive sendo vendidos.”

Mas, vem cá”, insisto. O volume de minha voz vai diminuindo até se transformar num sussurro. “O Paulo Octavio que acabou de renunciar ao governo do Distrito Federal não é o mesmo Pau1OOctavio que está vendendo os apartamentos?”

O corretor responde afirmativamente, mas jura de pé junto que não haverá qualquer problema com o empreendimento. “Uma coisa é política, outra coisa é engenharia”, conclui.

Paulo Octavio, todo brasiliense sabe quem é. Carinhosa ou ironicamente chamado de PO, é de domínio público que sua fortuna saiu do mercado imobiliário e que seu nome domina o negócio da construção civil na capital do país. No último mês de fevereiro, Paulo Octavio unificou numa só pessoa o poder econômico e político do Distrito Federal ao assumir o governo. Infelizmente para ele, as circunstâncias não eram das melhores. PO teve que substituir José Roberto Arruda, que acabara de ser detido pela Polícia Federal após uma câmera escondida ter gravado seus assessores distribuindo maços de dinheiro a deputados distritais. O episódio ficou conhecido como “mensalão do DEM” e culminaria na renúncia de boa parte do primeiro escalão do governo. Alegando falta de apoio político de seu partido e de seus ex-aliados, Paulo Octavio, poucos dias depois de assumir o Palácio do Buriti, também achou melhor debandar.

Por isso, muita gente acredita que cedo ou tarde os laços entre o escândalo das propinas e o negócio imobiliário – Setor Noroeste incluído – serão desvendados. Além de Paulo Octavio, que tem nítidos interesses no novo bairro, Cássio Taniguchi e Antônio Gomes também pediram demissão após o estouro das denúncias. Eles comandavam, respectivamente, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma) e a Terracap. Para engrossar o lamaçal, a votação que aprovou na Câmara Legislativa o Plano Diretor do Ordenamento Territorial (PDOT) pode ter sido influenciada pelo pagamento de propinas. A normativa define onde se pode e onde não se pode construir dentro de Brasília e interessa sobremaneira às empreiteiras que estão investindo pesado no Noroeste e outros empreendimentos.

Nós sabemos que o voto da base de governo para a aprovação do PDOT foi municiado com recursos públicos na forma de propina”, testifica a deputada distrital Érika Kokay, do PT. “O que nós estamos vivendo aqui é uma absurdidade, é surreal. Se construiu uma realidade fantasiosa e se vendeu essa realidade como se fosse verdadeira para alimentar a destruição de Brasília.”

A fantasia a que se refere a deputada diz respeito ao mal uso que o setor imobiliário faz do déficit habitacional de Brasília. De acordo com um levantamento realizado pelo Ministério das Cidades, a carência de imóveis no Distrito Federal em 2007 estava na casa dos 107 mil domicílios, sendo que a parcela da população que ganha até três salários mínimos mensais responde por 84% do problema. Logo, esperava-se que o governo promovesse empreendimentos que atendessem aos cidadãos mais atingidos pela falta de moradia. No entanto, o novo setor residencial de Brasília está dirigido à elite mais pudente da capital, que, por sua vez, contabiliza um déficit habitacional de somente 3,2%.

Quem é contrário ao Noroeste acredita que a construção de um bairro autoproclamado ecológico em cima da única área que resta de cerrado dentro do Plano Piloto, e ainda por cima atropelando direitos indígenas, é a continuação da política de favorecimento que desde sempre dominou a vida pública do Distrito Federal e que desembocou agora, no ano do cinquentenário, com um governador literalmente atrás das grades. “É um atentado à inteligência”, conclui Érika Kokay.

É verdade que o empreendimento recebeu do Ibama tanto a licença prévia como a licença de instalação do projeto. No entanto, historicamente a relação de Brasília com a natureza não tem sido das melhores. Desde que foi construída, a capital da República só tem feito devastar o cerrado em benefício da expansão populacional. A destruição se traduz em números. Em 1973, por exemplo, o concreto cobria 122 quilômetros quadrados do Distrito Federal. Trinta anos depois, a urbe praticamente quadruplicaria seu alcance a 439 quilômetros quadrados. A ocupação do território, via de regra desordenada e irregular numa cidade reconhecida pela excelência de seu planejamento urbanístico, causou uma série de problemas estruturais que apenas agora está mostrando sua face.

Hoje temos uma situação de abastecimento de água muito complicada”, explica Gustavo Souto Maior, presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), autarquia ligada ao governo do Distrito Federal. “Estamos produzindo a mesma quantidade de água que consumimos, e a alternativa futura que teríamos era justamente a barragem de São Bartolomeu, que já não pode ser construída devido à ocupação imobiliária irregular.” Souto Maior explica que a opção que está se concretizando entre as autoridades, a última delas, é o Lago Paranoá.

Por mais ecologicamente correto que seja, e por mais que viabilize a expansão de Brasília dentro de padrões ambientais aceitáveis, o Noroeste irá agravar o problema do abastecimento de água no Distrito Federal porque será construído em cima de uma área de recarga de aquíferos e mananciais que abastecem precisamente a bacia do Paranoá. O projeto prevê reduzir os efeitos da impermeabilização do solo no que hoje é uma área de mata nativa, mas o asfaltamento inevitavelmente impedirá a infiltração das chuvas e reduzirá a absorção de água pelos lençóis freáticos que abastecem o lago. Além disso, a pavimentação aumentará o volume das enxurradas, o que, Ibama e Ibram concordam, pode intensificar o processo de assoreamento dos cursos d’água locais.

O primeiro bairro verde do Brasil também será responsável pela derrubada de aproximadamente 150 mil árvores. O desflorestamento está previsto no licenciamento ambiental concedido à Terracap pelo Ibama. Em contrapartida, porém, a Companhia Imobiliária de Brasília terá que replantar 30 mudas para cada tronco decepado. Isso quer dizer que o governo terá que restituir o cerrado com 4,5 milhões de novas plantas, ao custo total de R$ 103 milhões. Esta é a exigência dos organismos ambientais, mas nem todos concordam com as compensações. “Isso é um exagero”, contesta Paulo Zimbres, arquiteto responsável pelo projeto do Noroeste. “Não existe mais espaço pra plantar tantas árvores. As áreas urbanizadas estão crescendo e o banco de árvores a serem plantadas está ficando gigantesco.”

O raciocínio de Paulo Zimbres reflete a linha de ação que tem sido historicamente adotada no Distrito Federal quando a expansão urbana se depara com as barreiras naturais do cerrado. Tanto o meio ambiente como o bem-estar da maioria da população têm permanecido em segundo plano frente aos interesses imobiliários. E a palavra de Lúcio Costa, elevado às alturas como o gênio por trás da construção de Brasília, tem sido invariavelmente utilizada para defender os interesses dessa expansão.

Em Brasília transformaram o urbanista num mito e deram a ele o poder de deliberar sobre a criação da própria cidade, um poder que não existe em nenhum outro lugar. Mas, claro, a palavra de Lúcio Costa só vira lei na medida em que se adéqua aos interesses do mercado imobiliário”, afirma Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB. “O pessoal tira do caderninho de Lúcio Costa apenas as frases que vão servir à especulação. E não se discute. É como se ele fosse um grande xamã urbano.”

Diante de tamanho imbróglio, o Ministério Público, baseado nas leis brasileiras e nos acordos internacionais que defendem o direito das populações indígenas, resolveu agir. Antes de aplicar a legislação, porém, seria necessário obter uma confirmação oficial de que os indígenas residentes no Santuário dos Pajés podem ser legalmente reconhecidos como uma comunidade tradicional. Para tanto, a procuradora Luciana Loureiro acionou a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja direção jamais se pronunciou publicamente sobre o caso. Aliás, pelo menos desde 1996 o órgão indigenista vem recebendo pedidos, muitos deles redigidos pelo próprio Santxiê Tapuya, para realizar um estudo antropológico que pudesse comprovar ou não a tradicionalidade da ocupação no Santuário dos Pajés. Alguns levantamentos prévios chegaram a ser realizados, mas nunca houve um relatório conclusivo. Aliás, a única conclusão a que se chegou foi a de que era necessário conduzir uma análise científica mais aprofundada sobre a presença dos fulni-ô no Plano Piloto.

A Procuradoria percebeu, então, que a única maneira de resolver o impasse era obrigar a Funai a se pronunciar sobre a questão. Se Santxiê e os demais índios que habitam o Bananal puderem ser oficialmente legitimados como herdeiros de um povo originário; se for confirmado que ocupam a terra de forma tradicional, segundo os costumes de suas etnias; e se ficar patente o fato de que repassam para as futuras gerações as características principais de sua cultura ancestral, como o idioma, os rituais sagrados e o conhecimento das ervas medicinais – então a Justiça deve reconhecê-los e protegê-los, dando início ao processo de demarcação da terra indígena. É o que diz a lei.

Por determinação dos tribunais brasilienses e com pelo menos vinte anos de atraso, o órgão governamental responsável por defender os direitos dos povos indígenas brasileiros está finalmente realizando as diligências antropológicas no Bananal. O trabalho dos peritos é esclarecer se a demanda dos índios é coletiva ou individual, quem são os indígenas que vivem na área, quando chegaram, de qual etnia são, quais vínculos que possuem com o território etc. As pesquisas são feitas a partir do uso de metodologias mundialmente consagradas, como os métodos da observação direta, genealógica e da história de vida dos índios.

O ano em que Brasília completa 50 anos é o mesmo que marca o centenário de nascimento do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), primeiro órgão indigenista criado pelo governo federal, que mais tarde seria extinto para dar origem à Funai. Brasília festeja seu cinquentenário no dia 21 de abril, dois dias depois que o calendário brasileiro comemora o Dia do Índio. Em 1997, entre uma data e outra, Galdino Jesus dos Santos, liderança do povo pataxó hã-hã-hãe da Bahia, foi queimado vivo por jovens brasilienses de classe-média enquanto dormia num ponto de ônibus a poucos metros da sede do órgão que deveria zelar por seu bem-estar.

Tantas efemérides me encontram no Santuário dos Pajés, acompanhado de Santxiê, que me mostra a clareira aberta por um buldózer dentro da terra indígena. A mesma determinação judicial que obrigou a Funai a realizar a diligência antropológica também proibiu a Terracap de trabalhar no terreno reivindicado pelos índios até que haja um posicionamento formal sobre o assunto. O resto da área está liberado para as obras de infraestrutura do novo bairro, e neste exato momento há máquinas desmatando, revirando o cerrado e ilhando os índios nos 50 hectares de preservação que reivindicam como terra sagrada.

Korubo aparece ao longe, conversando com uma pessoa de moto que ninguém ali sabe quem é. Não demora muito, vem a nosso encontro. Traz no rosto certo abatimento. “Acabei de levar um murro na cara”, lamenta, enquanto mostra o supercílio inchado e vermelho devido à pancada. “Eu estava dizendo pra aquele rapaz que aqui é uma área indígena, que não pode ficar entrando, e ele me bateu”. Korubo está nervoso, não sabe quem é ou de onde surgiu seu agressor e quer voltar lá acompanhado para tirar satisfações, mas Santxiê acaba por tranquilizá-lo.

A situação me constrange, e de pronto sinto que a pressão em cima do Santuário dos Pajés vai continuar. Governo, imprensa, tratores, empreiteiras e uma vizinhança que se aproveita do abandono do lugar para praticar atos suspeitos estarão à espreita. Sei que os indígenas seguirão impedindo suas mulheres e crianças de circular sozinhas fora da reserva e que os apartamentos milionários do Noroeste tão cedo não deixarão de ser comercializados no requintado estande da Asa Norte. Também sei que a resistência indígena, como nos últimos 510 anos, seguirá firme em seus princípios.

Mas o que mais me incomoda é perceber que eu estava enganado, e que na verdade é o silêncio ensurdecedor da Funai – ainda mais do que os lobisomens de Brasília – que não deixa Korubo pregar os olhos na noite repleta de aberrações do Planalto Central.

A situação me constrange, e de pronto sinto que a pressão em cima do Santuário dos Pajés, diferente da raiva de Korubo, não vai se dissipar tão logo. Governo, imprensa, tratores e uma vizinhança que se aproveita do abandono do lugar estarão à espreita por tempo indeterminado. Sei que os indígenas, cautelosos, seguirão impedindo suas mulheres e crianças de circular sozinhas fora da reserva, e que os apartamentos milionários do Noroeste não deixarão de ser comercializados no requintado estande da Asa Norte.

Parece que é no vazio criado pela omissão das autoridades brasileiras que os indígenas do Bananal, herdeiros de uma luta de 510 anos, encontram forças para seguir resistindo. E é o silêncio ensurdecedor da Funai – ainda mais que os lobisomens de Brasília – que não deixa Korubo pregar os olhos na noite de aberrações do Planalto Central.

lula e o mundo em transformação

29/03/2010 § Deixe um comentário

O novo posicionamento brasileiro na diplomacia global — com destaque para o envolvimento do Itamaraty nas questões iraniana e palestina — não é gratuito. Pelo contrário, nasce de uma mudança de patamar político e econômico do país no cenário internacional.

Durante o governo Lula a imagem do Brasil no exterior só fez crescer. É verdade que ainda ostentamos uma pobreza avultante, somos agredidos diariamente pela desigualdade e padecemos de um caso crônico de corrupção. Porém nossos índices sociais têm melhorado e, de acordo com as estatísticas, somos agora menos subdesenvolvidos que outrora.

O mercado interno, graças ao Bolsa Família e aos sucessivos reajustes do salário mínimo, é mais pujante. Isso faz com que o país consuma mais, tanto seus próprios produtos quanto os importados. Como a relevância internacional de uma economia está em sua capacidade de consumir, o Brasil ficou mais importante. Não tanto como a China e ainda longe dos padrões estadunidenses ou europeus, mas na América do Sul não há ninguém que o iguale em poder de compra.

Some-se a isso seu tamanho continental, a ausência de problemas territoriais, a uniformidade do idioma e uma jovem mas estável tradição democrática que desde a saída dos militares não tem registrado oficialmente golpes de estado ou fraudes eleitorais… e voilá! Eis o país do futuro transformado em presente aos olhos do mundo.

Não há dúvidas de que a figura de Lula tem contribuído – e muito – com esse novo status brasileiro. O já desgastado clichê do ex-operário que virou presidente arrebatou o coração dos líderes internacionais, e sua preferência por estabelecer e fortalecer relações com os países do Sul ajudou a amortiguar a hegemonia do Norte sobre o globo terrestre.

A correlação de forças internacionais está mudando.

O mundo voltou a ser genuinamente multipolar e o Brasil busca seu naco na redistribuição das zonas de influência que neste exato momento é negociada nos salões secretos do poder.

No passado foram necessárias duas guerras mundiais para que os novos donos do mundo desbancassem os velhos. Os Estados Unidos superaram a Inglaterra após a dupla derrota de alemães e italianos na primeira metade do século 20. Alguns séculos antes, Espanha e Portugal perderam a hegemonia depois que os britânicos conseguiram frear a volúpia expansionista de Napoleão Bonaparte sobre a Europa. A última transição se deu, sem conflitos de grande escala, com a queda do muro que dividia Berlim em metades capitalistas e socialistas.

Agora se lavra um novo processo de transferência de mando. Os norte-americanos, que reinaram absolutos até os estertores do século passado, passaram a colher reveses simbólicos e econômicos por todos os lados. E, em boa parte, foram eles mesmos os culpados pela perda progressiva de hegemonia.

Na América Latina, por exemplo, a influência dos Estados Unidos começou a arrefecer após o fracasso da ALCA e a queda das Torres Gêmeas. A Casa Branca, então, concentrou suas atenções nas bilionárias campanhas militares para derrubar Saddam Hussein e os talebãs. Tamanho esforço de guerra no Iraque e no Afeganistão naturalmente afastou o Tio Sam de seu quintalzinho geopolítico, abrindo espaço para que, pela primeira vez na história, partidos e candidatos anti-imperialistas assumissem o governo em vários países da região. Foi o “renascimento da esquerda” latino-americana, da qual Lula faz parte.

A Ásia também se transformou em outro foco de dissenso para os Estados Unidos. O governo japonês, aliado incondicional das políticas ianques desde Hiroshima e Nagasaki, agora trabalha para desalojar a base militar que Washington mantém na ilha de Okinawa. A Geórgia colheu duros reveses ao tentar se desvencilhar da influência russa recorrendo a expedientes pró-estadunidenses: foi invadida por Moscou e perdeu parte de seu território na guerra geograficamente mais próxima da Europa neste alvorecer de século. O quadro asiático se completa com a China, que arrebatou dos Estados Unidos o título de maior poluidora da atmosfera e de quebra também levou títulos de sua dívida pública – a maior do mundo.

O signo mais expressivo de que as coisas estão mudando na geopolítica global, porém, parece ter sido a última grande crise econômica. Nascida e criada nos países desenvolvidos, a debacle das bolsas e dos bancos trouxe consigo a certeza de que o mercado não é um deus – e muito menos um deus autorregulável. Caiu por terra a ideologia neoliberal de que o estado é um entrave ao desenvolvimento, porque não fosse o estado e suas reservas financeiras hoje haveria legiões de executivos tomando sopão noturno e pedindo esmola nas esquinas de Nova York.

Curiosamente, os países emergentes desta vez sofreram menos do que os desenvolvidos. Os índices de desemprego falam por si. E o que mitigou os efeitos da crise no Brasil foi exatamente um mercado interno mais robusto e menos vulnerável ao humor dos compradores externos. Continuamos extremamente dependentes da exportação, claro, mas hoje menos que antes. Logo, nossa economia tem mais peso. Logo, podemos apitar mais sobre os rumos do mundo.

Por isso o Itamaraty ampliou seu leque de ações, antes restrito à América do Sul, e briga por um espaço no diálogo internacional sobre a proliferação nuclear no Irã e nas negociações de paz na Palestina. É fato que a influência diplomática de um país em última análise depende do poder de fogo militar e econômico que pode colocar em cima da mesa. “A guerra é uma extensão da política”, dizia um teórico.

Em relação ao Oriente Médio, o Brasil não tem peso relevante no que se refere a capacidade bélica ou financeira. Mas, no caso da questão Israel-Palestina, isso é bom. Estados Unidos, Europa e a Liga Árabe não podem ser considerados atores neutros nas negociações de paz. Cada um deles carrega interesses bem demarcados que extrapolam o mero desejo pacifista de acabar com a matança entre judeus e muçulmanos. Uns são pró-semitas, outros são anti-semitas, uns estão de olho na venda de armas, outros nas vantagens econômicas, enfim.

O Brasil a rigor está interessado apenas na paz entre israelenses e palestinos. Por quê? Porque sim, oras. A guerra que se arrasta desde a fundação do estado de Israel é um dos principais focos de instabilidade militar em todo o mundo, ninho de intolerância e racismo que não raro desembocam em massacres e ataques suicidas. A diplomacia brasileira é favorável à criação de um estado palestino porque é em sua inexistência que fervilha tanto ódio.

Ambos os lados da contenda têm motivos para acreditar que o Brasil tem interesses legítimos no fim das hostilidades. O máximo de proveito próprio que poderíamos tirar de uma eventual paz intermediada pelo Itamaraty seria capitalizá-la a nosso favor na hora de galgar posições mais privilegiadas no concerto das nações. Se o Brasil de fato ajudar na construção da paz, será uma reivindicação mais que merecida.

No caso do Irã o raciocínio é semelhante. Deve ser complicado para Mahmoud Ahmadinejad ouvir Estados Unidos, Rússia, China e França, todos eles detentores de bombas atômicas, dizendo que os iranianos não podem desenvolver tecnologia nuclear nem mesmo para fins civis.

Já a voz do Brasil é mais coerente. Primeiro, porque não se trata de uma potência nuclear, não tem armas atômicas e há muito tempo não entra em guerra com ninguém. Depois, porque tem conseguido enriquecer urânio para geração de energia e outros objetivos que passam a quilômetros de distância da agressão militar.

Portanto, é um interlocutor qualificado, que tem moral para dizer ao Irã que não se deve construir artefatos bélicos com tecnologia nuclear e também para mostrar ao mundo que sim é possível dominar o ciclo do urânio respeitando os tratados internacionais e sem descambar para a violência.

Tanto nos diálogos com o Irã como nas negociações entre israelenses e palestinos, o Brasil desempenha um papel simbólico. Não no sentido de que sua presença é ineficaz ou que sua voz não será ouvida, mas porque, além de encarnar um exemplo, carrega consigo alguns valores que confirmam esse exemplo.

Nem só de porrete se faz política externa. O mundo está cansado de hipocrisia, e os valores defendidos pela diplomacia brasileira estão todos eles expostos nas declarações que as Nações Unidas foram ratificando desde sua criação. É por isso que Lula dedica tantos discursos em favor do fortalecimento da ONU, cuja liderança ficou seriamente comprometida depois que os Estados Unidos atropelaram a decisão do Conselho de Segurança e se utilizaram de um duvidoso conceito de “guerra preventiva” para invadir o Iraque.

Portanto, não é que Lula seja um apoiador de Ahmadinejad. Seu governo apenas defende o direito de um país desenvolver, como o Brasil desenvolveu, tecnologia nuclear para fins civis – e só civis. Não é que Lula tenha um pé no anti-semitismo, mas sim que a diplomacia brasileira defende o direito dos palestinos a um estado, assim como defende o direito dos judeus ao território definido pelos acordos de 1967. É um princípio de convivência pacífica

Não há nenhum resquício de mania de grandeza ou complexo de superioridade nessas novas empreitadas diplomáticas. O avanço da influência brasileira sobre os assuntos mais candentes do cenário internacional é apenas a consequência natural de um mundo em transformação. –tadeu breda (cc)

salve glauco

12/03/2010 § 1 comentário

O Glauco morreu essa noite. Morreu não, foi morto. Quatro tiros lhe levaram a vida, e outros três, a de seu filho. Eu fico triste com a notícia, mas não sei muito bem o que sentir. Raiva não tenho. Não é como um assassinato político. Quem puxou o gatilho tantas vezes não tinha como objetivo calar a voz do Glauco. Muito menos extirpar-lhe das mãos o traço diário que fazia rir e pensar. Geraldão não incomodava ninguém a esse ponto, muito menos Faquinha, Dona Marta ou Nojinsk. Ozetês tampouco. Glauco morreu como morrem dezenas de brasileiros todos os dias, simplesmente porque tinha mais do que os que lhe mataram: mais dinheiro, mais conforto, uma casa melhor, carro, qualquer coisa dessas — coisas que em hipótese alguma deveriam justificar disparos, sangue, lágrimas e dor. Claro, pra mim é fácil dizer. Sou tão socialmente incluído que estou desafogando meu pesar solidário nas linhas virtuais de um blogue — mais in, só o twitter. A grande maioria dos brasileiros não pode fazer isso. Aliás, também somos poucos, entre os duzentos milhões de nós, que conhecem o trabalho do Glauco ou simplesmente sabem quem ele é e o que faz. Fico aqui matutando: será que os caras que tentaram assaltar sua casa durante a madrugada sabiam? Será que já tiveram a oportunidade de ler o Netão? E o Casal Neuras? (E os malucos que meteram bala no Bortolotto, sabiam que o escritor tinha um saite chamado Atirem no dramaturgo?) Não sei. Por isso, também não sei o que sentir. Se a arte esbarra na violência, o humor, então… Neste dia cinza de céu azul pouca coisa parece fazer sentido. Talvez a vida, que continua para desfazer tristezas e ensinar lições que ainda não foram escritas. –tadeu breda (cc)

izquierda extractivista

13/02/2010 § Deixe um comentário

Elegidos con la promesa de escribir un nuevo capítulo en la historia de América Latina, los gobiernos de izquierda no tocan en el que, para muchos, es el punto neurálgico de la construcción de una nueva realidad política y económica: el modelo de desarrollo primario-exportador

Una encuesta realizada en Brasil a las vísperas de la Cumbre de las Naciones Unidas sobre Cambio Climático, que se dio el último deciembre en Copenhague, concluyó que solamente 5% de los brasileños ven el calentamiento global como el gran problema del mundo. Una parte aún más chica de la población, alrededor del 1%, cree que la preservación de la biodiversidad debe ser priorizada por las políticas públicas. Urgente de verdad, dice el sondeo, es combatir la pobreza, la violencia y el hambre.

Los resultados del levantamiento reflejan el raciocinio que anima a los gobiernos de la llamada izquierda suramericana a la hora de sopesar las necesidades aparentemente contradictorias de preservación ambiental y crecimiento económico.

Desde la victoria de Hugo Chávez en Venezuela, el 1998, hasta la de Fernando Lugo en Paraguay, el 2008, la ola electoral que condujo al poder candidatos de origen popular e ideales socialistas tenía como objetivo poner un freno a las reformas neoliberales. El Estado anhelaba, así, reducir la dependencia externa y retomar el control de la economía.

“Había esperanzas de que la nueva izquierda promocionara cambios sustanciales en el modelo de desarollo, hasta entonces basado en la exportación de productos primarios”, recuerda Eduardo Gudynas, experto del Centro Latino Americano de Ecología Social (CLAES), en Montevideo.

Ello no ocurrió. Al revés, la Comisión Económica para la América Latina y el Caribe (CEPAL) señala que los productos primarios todavía corresponden a más de la mitad de las ventas externas de las naciones ahora dirigidas por gobiernos dichos progresistas. Encabezan las listas de exportaciones recursos minerales, como el cobre y el petróleo, y grandes monocultivos, con relieve para la soja.

Brasil es el país menos dependiente de los productos primarios, pero aún así sostiene el 51% de su economía con las distintas formas del extractivismo. Ya Venezuela, por ejemplo, apoya el 80% de su balanza de pagos sobre las rentas petroleras.

Eduardo Gudynas subraya que los nuevos gobiernos suramericanos no apenas han hecho hincapié sobre las actividades primarias como también abrieron nuevos campos de operación extractivista y agroindustrial. “Es el caso de la minería en Ecuador, el apoyo a un nuevo ciclo en la explotación del hierro en Bolivia y el fuerte protagonismo estatal en promocionar el crecimiento minero en Brasil y Argentina, mientras la izquierda uruguaya se lanza a la prospección de petróleo”, explica.

El punto neurálgico

En un primero vistazo puede ser difícil notar los efectos colaterales del negocio primario-exportador. A la final, el crecimiento año a año de las ventas externas se traduce en cada vez más dólares para la economía. Y los países latinoamericanos están siempre necesitando dinero: nadie duda que todavía hay mucho qué hacer en términos de educación, salud, vivienda, empleo etc.

Sin embargo, el economista ecuatoriano Alberto Acosta recuerda que desde la época de la colonización las finanzas regionales estuvieron sometidas a la explotación y exportación de productos primarios. Y, a lo largo de los siglos, este tipo de actividad no fue capaz de brindar desarrollo humano a la mayoría de los latinoamericanos, aunque sí haya producido crecimiento económico.

A propósito, el último relatorio del Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD) pone el grueso de los países del continente en posiciones bastante intermedias en el ranking mundial del bienestar. Brasil, por ejemplo, a pesar de estar entre las principales economías del mundo, sólo aparece en la 75a posición en lo que refiere al IDH.

“Seguimos creyendo equivocadamente que desarrollo es sinónimo de crecimiento, y que la manera más fácil de lograrlo es por medio de la exportación de recursos naturales”, lamenta Acosta. “Los actuales gubernantes tienen un reto muy grande entre las manos: no deben solamente conseguir equidad social, profundizar la democracia y superar el Consenso de Washington. Todo eso es indispensable, pero el verdadero cambio radica en transformar la manera como lidiamos con los recursos naturales.”

Ecuador ha dado pasos importantes en ese sentido al aprobar el 2008 una Constitución que reconoce derechos a la naturaleza y somete el progreso económico y social a una relación no-destructiva con los ecosistemas. La regla es utilizar los recursos del medio ambiente en una intesidad tal que le permita recobrarse de los daños ocasionados y seguir sus propios ciclos vitales. Pero en la práctica todavía no funciona.

Con el noble objetivo de reducir los niveles de pobreza, los gobiernos de la nueva izquierda latinoamericana se encuentran a las vueltas con un dilema. En tiempos de crisis ambiental y cambio climático, son moralmente estimulados a adoptar políticas de preservación ecológica, reducción del efecto invernadero, contención de la deforestación y adopción de tecnologías limpias. Al mismo tiempo, el compromiso histórico asumido durante las campañas electorales les obliga a mitigar la pobreza y estrechar el abismo social que aparta ricos y pobres en el continente más desigual del planeta.

La pobreza primero

La prioridad parece haber sido el combate a la miseria. Mas, para llevarlo a su término, el poder público necesita de recursos financieros, una vez que el modelo elegido para aliviar el hambre, sanear el trabajo infantil y reanimar las economías locales ha sido la transferencia de renta –o sea, una especie de sueldo mensual que el gobierno reparte entre las familias en situación de penuria–.

En Brasil, Lula creó en Bolsa Familia. En Bolivia, se instauró el Bono Juancito Pinto. Los uruguayos cuentan con el Plan de Asistencia Nacional a la Emergencia Social. En Ecuador surgió el Bono de Desarrollo Humano, y Argentina dio inicio al Programa de Familias. Hay también el Chile Solidario.

Como el Estado ha vuelto a asumir un rol más protagónico en la economía, hay más dinero en la caja. Bolivia es un buen ejemplo. Cuando nacionalizó el petróleo y el gas, el 2006, Evo Morales subió para 50% los aranceles sobre la venta de los hidrocarburos al exterior. La renegociación de los contratos y la reactivación de la estatal YPFB ayudaron a cambiar el cuadro económico del país. El PIB boliviano se duplicó a los US$ 19.000 millones, las reservas internacionales se incrementaron, la inflación está bajo control y el cambio sigue estable. “Hemos dejado de ser el país más pobre de América del Sur”, conmemora Luis Arce, ministro de Economía.

Los nuevos recursos permiten a los gobiernos repasar a la parcela más pobre de la población una parte de los excedentes obtenidos con el extractivismo y, así, remediar los efectos de la pobreza. “El Estado busca captar los excedentes del extractivismo y, al utilizarlos en programas sociales, consigue legitimidad para defender las actividades extractivistas”, analiza Eduardo Gudynas. “Las acciones sociales necesitan de financiación creciente y, por lo tanto, los gobiernos se vuelven dependientes de la exportación primaria para captar recursos financieros.”

Lo mismo diferente

Las empresas estatales, empero, no actúan de manera muy distinta a la de las compañías extranjeras cuando el asunto es compromiso ambiental. Si las grandes transnacionales de la minería, del petróleo y del agronegocio justifican sus empreendimientos con promesas de progreso, empleo y bienestar, los gobiernos latinoamericanos siguen por la misma senda. La gran diferencia es el destino de las ganancias, que, ahora más que antes, se quedan en el propio país. Aún así, y a pesar de estar justificada por nuevas realidades y argumentos, la devastación continúa.

El debate nacido dentro del gobierno brasileño entre Dilma Rousseff, ministra de gobernación, y Marina Silva, ex titular de Medio Ambiente, ilustra bastante bien lo que está en juego. Mientras Rousseff, coordinadora del Programa de Aceleración del Crecimiento (PAC), peleaba por más celeridad en la conclusión de las obras de infraestructura, la heredera política del ecologismo popular amazónico, Marina, insistía en la importancia de los estudios ambientales para sanear los impactos de estas mismas obras sobre la naturaleza. Con el respaldo de Lula, Dilma venció la batalla, mientras Marina prefirió dejar el gobierno tras ganar fama como “traba” al desarrollo del país.

El resultado de la pelea dentro del gobierno brasileño dio mayor visibilidad, entre otros proyectos, a la construcción de las usinas hidreléctricas de Santo Antonio y Jirau, en el río Madera, y Belo Monte, en el río Xingú, que siguen con toda fuerza en la cuenca amazónica. Juntas, estas represas tendrán capacidad para generar 18.400 megawatios, que irán alimentar la expansión industrial en el sureste del país –en donde están São Paulo y Río de Janeiro– y la de la minería en la Amazonía.

Actualmente, según el geógrafo Arnaldo Carneiro, del Instituto Socio Ambiental, “mitad de la capacidad energética instalada en la región amazónica es consumida por la minería y la metalurgía, y el 20% de toda electricidad producida en el país es destinada a productos de exportación.”

El PAC brasileño promete repasar alrededor de US$ 20.000 millones para inversiones en generación y transmisión de energía en la Amazonía. Otros US$ 6.000 millones deben permitir la construcción y pavimentación de carreteras en la selva. Dentre los proyectos en el area de los transportes, apenas la pavimentación de dos caminos deben provocar el desmate de 39 millones de hectáreas de floresta y afectar más de 50 pueblos indígenas, algunos en aislamiento voluntario.

Contradicciones amazónicas

“Como otros proyectos de infraestructura, las carreteras son importantes para estimular la economía, interligar localidades lejanas y proveer el acceso a servicios públicos, como escuelas y hospitales”, reconoce Arnaldo Carneiro. Sin embargo, el geógrafo recuerda que las carreteras también vienen posibilitando el robo de madera, el surgimiento de la minería informal y la apropiación ilegal de tierras indígenas. Bástese con decir que, según el Instituto Nacional de Pesquisas Espaciales (INPE), cerca del 75% del desmate ocurre en una franja de hasta 100 kilómetros alrededor de los caminos abiertos en la selva.

“El Estado brasileño está presente en la Amazonía, pero de manera esquizofrénica”, evalúa Carneiro, subrayando que, mientras el gobierno se esfuerza para reducir la deforestación, financia proyectos que ayudan a destruir la jungla.

Los cuestionamientos del geógrafo no hacen eco a los proyectos de la Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Suramericana (IIRSA), que, con fuerte apoyo del banco brasileño de desarrollo, también está presente en la Amazonía. Por lo menos dos corredores interoceánicos están siendo planeados para ligar la porción brasileña de la selva a la cordillera de los Andes y al Pacífico, incrementando así la salida de los granos producidos por el avance de la agricultura de exportación sobre la Amazonía.

“Debemos buscar un modelo de desarrollo que genere empleo y fortalecer un tipo de produción que no destruya la floresta, que no produzca tantas emisiones y a la vez dé una vida digna a la población”, opina el físico Luiz Pinguelli Rosa, de la Universidad Federal de Río de Janeiro. “Lo que no se puede es que se viva en una situación confortable en EEUU y Europa y aquí haya gente que ni siquiera tiene electricidad en casa.” –tadeu breda (cc)

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integração, pero no mucho

10/02/2010 § 1 comentário

Dizem que os países não tem amigos, mas interesses. Apesar de terem acelerado os processos de integração, as afinidades ideológicas entre os governos sul-americanos não foram capazes de acabar com os conflitos diplomáticos bilaterais. Questões militares e econômicas ainda dão a tônica da relação entre vizinhos

A Venezuela tem problemas com a Colômbia, que também não agrada muito o Equador. O Equador e a Venezuela, porém, são bons amigos. O Uruguai está de mal com a Argentina, mas só com a Argentina. O Peru não vê o Chile com bons olhos, mas compartilha opiniões políticas com a Colômbia. A Bolívia mantém uma grande afinidade com Venezuela e Equador, e pouco a pouco vai resolvendo suas diferenças com o Chile. O Brasil não possui nenhum inimigo declarado na vizinhança, porém negocia em silêncio algumas reclamações de Bolívia, Equador e Paraguai.

Eis o panorama geral das relações bilaterais na América do Sul, que mais parecem fofoca de condomínio, mas que são fruto do fenômeno político iniciado com a vitória eleitoral de Hugo Chávez, em 1998. A opção por candidatos de origem popular ou inspiração socialista em quase todo o continente tem agilizado os processos de integração. Recentemente saíram do papel projetos como o Banco do Sul e o Conselho de Defesa do Sul, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) se fortaleceu e estão em gestação mecanismos financeiros para reduzir a dependência regional de dólares.

Entretanto, as afinidades ideológicas parecem não ser suficientes para concretizar o sonho de Simón Bolívar, e a consolidação da “pátria grande” tem esbarrado em divergências estratégicas que frequentemente colocam países vizinhos em lados opostos da arena diplomática.

O entrevero mais antigo é o que contrapõe interesses argentinos e uruguaios devido à instalação de uma usina de celulose às margens do rio Uruguai. Em 2007, a companhia finlandesa Botnia começou a operar no município de Fray Bentos, ligado por uma ponte à localidade de Gualeguaychú, na Argentina. Os gualeguaychulenhos acreditam que o processamento da celulose vai poluir as águas do rio que abastece a ambos os países. Por isso, são contrários ao funcionamento do complexo industrial. Entretanto, de olho nos empregos trazidos pela transnacional, os uruguaios negam qualquer risco de contaminação.

As chancelarias de Montevidéu e Buenos Aires entraram na briga quando alguns movimentos socioambientais e sindicatos argentinos resolveram bloquear a ponte que conecta os dois países. O caminho já leva três anos fechado e a disputa foi parar na Tribunal Internacional de Haia, na Holanda. O governo argentino diz que os uruguaios violaram um acordo sobre a utilização das margens do rio e pede que a fábrica da Botnia seja removida para algum outro lugar onde não ofereça riscos às águas binacionais. A corte dará seu veredicto final sobre a contenda em março.

Feridas abertas

Outro desacordo diplomático que foi parar na arbitragem internacional diz respeito aos limites marítimos do Chile, que em tese estariam violando as milhas oceânicas pertencentes ao Peru. O presidente Alan García quer modificar os termos de um acordo assinado entre Lima e Santiago na esteira da Guerra do Pacífico (1879-1883). O tratado define a extensão territorial soberana de cada um sobre o mar. O governo peruano acredita que saiu prejudicado na assinatura do documento e pretende revertê-lo em Haia.

“O Peru quer aumentar em mais de um terço seu domínio marítimo-econômico, passando a ter mais acesso a recursos pesqueiros”, explica Guillermo Holzmann, analista político da Universidade do Chile. “Ao conduzir a questão a Haia, o Peru tem um objetivo estratégico, do qual se deriva outro, de cunho histórico, que tem mais impacto na opinião pública.”

A presidenta Michelle Bachelet levou a mal o recurso movido por Alan García e decidiu congelar as relações políticas com o vizinho. Contudo, conservou o diálogo diplomático e, para não prejudicar os investimentos chilenos no Peru, manteve intactos os laços financeiros.

Mas a complicada relação entre os dois países se agravou ainda mais quando foi descoberto um caso de espionagem chilena na força aérea peruana. O pivô da crise é o suboficial Víctor Ariza, que teria sido recrutado há sete anos pelo serviço secreto de Santiago para repassar informações confidenciais sobre os planos militares do vizinho.

Michelle Bachelet negou qualquer relação com o episódio e garantiu que iria apurar a acusação junto às forças armadas, prometendo aplicar sanções caso a espionagem tenha realmente existido. “A resposta chilena é positiva e alivia a tensão”, disse o chanceler peruano José Antonio Balaunde. “Para superar a crise, no entanto, falta que nos informem sobre o resultado das investigações. Esperamos uma resposta antes de março, quando muda o governo no Chile”, completa o ministro.

O peso das armas

Outra coisa que incomoda o Peru é o armamentismo chileno: “Não entendemos porquê o Chile gasta tanto em armas e porquê essas armas apontam para o Peru”, questiona Balaunde. A preocupação é tamanha que Alan García acaba de propor um acordo para reduzir a militarização dentro da Unasul. O plano também estabelece pactos de não-agressão e resolução pacífica de conflitos entre os países do bloco. É um recado para o Chile, mas não só.

Quem lidera o processo de modernização militar na América do Sul é o Brasil. O acordo assinado pelo presidente Lula com a França deve equipar o país com tanques, helicópteros, submarinos – um deles com propulsão nuclear – e talvez caças Rafale de última geração. Se as compras se concretizarem, o Brasil gastará R$ 30 bilhões para equipar suas forças armadas e defender os recursos naturais da Amazônia e do pré-sal.

A Venezuela também chama a atenção quando o assunto é rearmamento. Quando Hugo Chávez quis modernizar seus exércitos, recorreu primeiro ao varejão bélico dos Estados Unidos. A Casa Branca, ferrenha opositora de Caracas, proibiu a transação. Chávez, então, foi às compras na Rússia: já gastou US$ 4,4 bilhões com aviões, helicópteros, tanques e fuzis, e promete ainda adquirir submarinos do Kremlim.

Hugo Chávez argumenta que precisa se defender. Primeiro porque tem na bacia do rio Orinoco uma das maiores reservas petrolíferas do mundo. Depois, porque os Estados Unidos assinaram um acordo com a Colômbia que permite a instalação de soldados e armamentos ianques em sete bases espalhadas pelo país.

Álvaro Uribe, artífice e entusiasta da parceria, afirma que o Pentágono há muito tempo dá apoio material ao governo colombiano na luta contra o narcotráfico e a guerrilha, enquanto os vizinhos não fazem mais do que enviar manifestações de solidariedade. Ademais, garante o presidente, a força norte-americana será utilizada apenas em território colombiano.

Tão perto e tão longe

Hugo Chávez não está convencido. Por isso, cortou relações com a Colômbia, com reflexos importantes para o comércio binacional. As exportações colombianas para a Venezuela caíram mais de 70% entre outubro de 2008 e 2009. A estatal petrolífera PDVSA também parou de vender combustível subsidiado ao país vizinho. Os discursos esquentaram, tropas foram enviadas para monitorar as fronteiras e Hugo Chávez conclamou seus compatriotas a defenderem o país de uma agressão imperialista iminente.

Álvaro Uribe também tem problemas com o Equador desde que, em março de 2008, decidiu violar o território equatoriano para eliminar um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) camuflado do lado de lá da fronteira. Na operação foram mortas 25 pessoas, entre elas Raúl Reyes, um dos cabeças da guerrilha. Ao tomar conhecimento do episódio, o presidente Rafael Correa cortou imediatamente as relações com Bogotá. Os laços apenas serão reatados caso o governo colombiano se retrate publicamente da invasão, entre outras exigências.

“Os conflitos diplomáticos criam uma cultura onde a opinião pública não encontra razões para se mobilizar a favor da integração”, observa Tullo Vigevani, pesquisador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI). “A maior dificuldade para a integração, porém, está nos sistemas econômicos e na estrutura social das nações sul-americanas. Por exemplo, todos os países são produtores de bens agrícolas. Portanto, não há complementariedade econômica.”

“Para que exista uma integração efetiva, os países vizinhos devem ser também os primeiros sócios comerciais uns dos outros”, comenta Guillaume Long, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), em Quito. “Mas na América Latina o principal parceiro comercial dos países são os Estados Unidos.” E agora também a China. –tadeu breda (cc)

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quilotoa troca lava por lago

29/01/2010 § Deixe um comentário

Para imaginar o Quilotoa basta pensar num vulcão de 3.880 metros de altitude. Também é necessário parar de sonhar com erupções violentas e rios de lava descendo furiosos pelas encostas das montanhas, porque o Quilotoa há muito tempo está inativo. Em vez de fogo, há água. Dentro da cratera, a fúria das rochas incandescentes deu lugar a uma lagoa azul-turquesa, ovalada em seus três quilômetros de diâmetro, que brilha e muda de cor quando bate o sol.

Mas para ver tudo isso é necessário subir até lá. Ao contrário do que acontece com a maioria dos vulcões equatorianos, o acesso ao Quilotoa é bastante fácil. Não é necessário escalar absolutamente nada e nem ter equipamento especial para a neve. No Quilotoa faz frio, mas não o suficiente para nevar. A temperatura média varia entre dez e 14 graus durante o dia. Não se pode saber com exatidão, porque o clima dos Andes equatorianos depende muito da intensidade do sol. Se ele resolve aparecer e reinar soberano no céu azul, é provável que os menos friorentos consigam dispensar a blusa. Mas se o dia nasce e morre nublado, ou se chove, o frio vem com força e o vento corta. De noite a mesma coisa. Não é à toa que para os incas o sol – ou inti, em quéchua – era o maior dos deuses.

Chegar até o Quilotoa é tão simples quanto demorado. Em Quito, basta dirigir-se ao Terminal Terrestre de Cumandá, no centro da cidade, e pegar qualquer ônibus que vá a Latacunga. E são muitos, que saem a cada dez minutos e não custam mais de 1,5 dólar. Isso porque tanto Quito como Latacunga ficam numa mesma linha rodoviária, a Panamericana, que corta não apenas o Equador, mas todo o continente americano de norte a sul. Como a capital do país fica no norte, são muitos os ônibus que saem em direção ao sul (Riobamba, Ambato, Cuenca, etc.) e inevitavelmente acabam passando por Latacunga.

São cerca de duas horas de viagem. Uma vez em Latacunga, é altamente recomendável fazer uma parada gastronômica nas barraquinhas de comida que ficam ao lado da estação de trem da cidade. Ali se pode encontrar cuy assado, uma espécie de porquinho da Índia feito no rolete. O cuy é um dos pratos típicos dos indígenas andinos. Não tem muita carne, mas vale a pena experimentar. Negociando é possível comer um cuy – com arroz, batatas e salada à vontade – por dez dólares e sair com a barriga cheia para a próxima etapa da viagem.

Há duas opções para fazer o trajeto Latacunga-Quilotoa. Existe um ônibus que vai diretamente até o vulcão e que sai duas vezes por dia do terminal rodoviário da cidade, um de manhã e outro à tarde. A Cooperativa El Vivero tem ônibus diários normalmente às 10h e às 13h, mas esses horários não são tão rígidos assim. Quem não conseguir pegar esse ônibus tem que se colocar na avenida principal de Latacunga e esperar um transporte até Zumbahua. A passagem custa em média 1,25 dólar. O trajeto demora cerca de duas horas e é bom ficar esperto pra subir num ônibus que tenha poltronas livres. Ficar de pé todo esse tempo enquanto o coletivo serpenteia pelos Andes não é uma experiência muito agradável nem para as pernas nem para as costas.

Basta colocar o pé em Zumbahua para que algum morador local venha oferecer transporte em caminhonete até o Quilotoa. É com eles que as pessoas – inclusive os que moram ali – costumam subir e descer do vulcão. A grande diferença está no preço que cobram de uns e outros. A passagem vai depender muito da pinta de gringo (olhos e cabelos claros, roupas de aventura e mochilas grandes) e da capacidade de negociação de cada um. Aliás, quase tudo no Equador é negociável. Por isso, se a caminhonete vai cheia, não se deve pagar mais de 50 centavos de dólar pela viagem. Se são poucas pessoas, 1,50 ou 2 dólares é o máximo. Esse preço só se consegue com muita pechincha. Se não bater o pé, o viajante pagará entre 3 a 5 dólares pela meia hora de viagem até o vulcão.

Se estiver fazendo bom clima, vale a pena ir de pé na carroceria da caminhonete. O vento é frio, mas a beleza da região compensa. E no caminho existe um pequeno cânion que acompanha boa parte da estrada.

Depois de muita subida, se chega à entrada do povoado. Turistas estrangeiros têm que pagar 2 dólares para entrar na comunidade, que se encontra no topo do vulcão. Uma vez ali, basta caminhar cinco minutos até a cratera, que fica dentro do povoado mesmo. Visto de cima, o lago vai parecer pequeno e a trilha que leva até ele, curta. Mas no Quilotoa, as aparências enganam. A descida pode levar entre 45 minutos e uma hora, dependendo do preparo físico de cada um. E a volta…

Mentiria se dissesse que é fácil, porque, além da inclinação da montanha, a altitude não ajuda na hora de respirar. O sol equatorial, quando está a pino, também não é muito agradável. Mas os moradores locais pensaram nisso. Os que não conseguirem vencer a subida com suas próprias pernas podem recorrer às mulas e cavalos, sempre dispostos a conduzir o turista ao topo do vulcão em troca de dinheiro.

Lá embaixo, na lagoa, é possível alugar um barquinho, caminhar, escalar as rochas ou simplesmente ficar à toa desfrutando a paisagem. Também dá pra acampar, com a vantagem de que faz menos frio e menos vento perto da lagoa do que lá em cima. Para comer, no entanto, é necessário subir ao povoado, onde também se encontram muitas opções de alojamento. Praticamente cada casa de família é também um hostel. Cobram entre 8 e 10 dólares pela pernoite, com direito a jantar e café-da-manhã.

Do lado de fora do povoado, porém, há um hotel mais requintado, de estilo rústico. O Quilotoa Crater Lodge oferece um conforto adicional ao viajante. Se alguém pretender passar uns dias por lá, tanto o hotel quanto os moradores locais podem levar para um trekking ao redor da cratera do vulcão ou pelas trilhas da região. Os adeptos do montanhismo muitas vezes optam por ir até Chugchilán caminhando, em passeios que duram em média cinco horas e exigem algum preparo físico. O aluguel de cavalos também é uma boa opção de passeio. O pôr-do-sol no Quilotoa, acima das nuvens, também está entre as principais atrações do lugar. Enfim, são muitas as opções e nulas as chances de entediar-se. A não ser que venha uma frente fria interminável e nuble por um ou dois dias a vista que se pode ter da lagoa.

Mas aí é só sentar e esperar, aproveitar o artesanato local ou dar uma escapada à Tigua, povoado vizinho que ficou conhecido pelas pinturas folclóricas em couro de ovelha. Se for sábado, uma passadinha pela feira indígena de Zumbahua, uma das mais importantes do Equador, também é uma boa opção. A outra é colocar uma blusa impermeável e caminhar por aí. Porque nem só de sol vive o homem – e muito menos os Andes. –tadeu breda (cc)

>> publicado no uol

la ligne qui divise l’équateur

19/01/2010 § 1 comentário

écrit par tadeu breda
traduit par marion huteau tristão

Je ne su pas où mettre les yeux lorsque Melânia termina de répondre à ma dernière question. Et croyez bien qu´il n´y en eut pas tant que ça. Melânia n´a pas l´air de quelqu´un qui adore discuter avec les étrangers, mais elle n´eut pas l´air dérangée quand nous interrompîmes son travail en lui demandant quinze petites minutes de prose. La machette encore en main, un morceau de fer oxydé avec lequel elle élaguait les pieds de cacao qui poussaient à côté, nous nous assîmes à l´ombre en bas de la maison, entre les épis de maïs, les poussins chantonnants les tronçons de bois et les seaux d´eau.

Une odeur de terre dominait. Battue ou cultivée, tout ce qui nous entourait, était de terre. Les rares bourrasques de vent de ce samedi pourtant ensoleillé, étaient toujours accompagnées d´une fragrance chimique et écoeurante. C´était de ça dont je voulais parler.

La quarantaine, Melânia Chama est agricultrice. Ce n´est pas la seule personne que j´ai connue en Équateur qui n´ait su me donner son âge avec exactitude. Qui habite à la campagne et en tire son pain peut très bien vivre en fonction du jour et de la nuit, du soleil et de la pluie, de l´été et de l´hiver. Les horloges et les calendriers ne sont pas très utiles pour celui qui connait par cœur le cycle de la terre. C´est le cas de Melânia et probablement celui de ses trois filles, qui auraient pu être huit si la mère n´était pas passée par cinq avortements spontanés.

Personne ne sait expliquer pourquoi cette paysanne a perdu autant de bébés en si peu de temps. Un médecin lui avait bien dit que sa structure corporelle n´était pas idéale pour affronter une grossesse, mais la santé de ses trois filles, qui travaillent laborieusement avec elle dans les champs, prouve le contraire. Pour Melânia, il y a d´autres motifs à ses grossesses interrompues.

« Je vis ici depuis plus de 20 ans » raconte-t-elle. Ici, c´est Shushufindi, au nord de l´Équateur, une ville au coeur de la forêt amazonienne, à un peu plus d´une heure de la frontière avec la Colombie. Melânia habite une petite maison en bois surélevée par quatre poutres pour éviter que les animaux ne rentrent. Avec son mari et ses filles, Melânia gagne son pain grâce à ce qu´elle cultive sur sa propriété. En plus du cacao, il est aujourd´hui possible, à force de beaucoup de travail, de voir pousser des pieds de manioc, des bananiers, et du maïs. Avant l´arrivée de la famille Chama, tout n´était pourtant qu´une immense piscine de pétrole.Melânia partage son histoire avec 30.000 autres agriculteurs et Indiens qui, depuis plus de quatres décennies, souffrent de la contamination de l´air, de l´eau, de la terre et des nappes phréatiques dans le nord-ouest équatorien. Shushufindi a été tant dégradée par l´activité prolifère que les habitants les plus familiers au cosmopolitanisme utilisent le terme toxic tour pour désigner le trajet emprunté par les visiteurs qui désirent connaître les conséquences sociales et environnementales de cette tragédie.

En 1964, le gouvernement de l´Équateur décida que l´heure de revendiquer sa part dans la division internationale du pétrole était arrivée. Si Dieu avait offert à presque tous les pays voisins de généreuses réserves, pourquoi les Équatoriens, si fidèles aux offices religieux, étaient-ils restés en marge? Il fut cependant nécessaire de déléguer les tâches de recherche et d´exploitation à une entreprise de confiance. L´option la plus évidente qui s’offrait aux militaires au pouvoir s’appelait Texaco Inc., la plus importante compagnie pétrolière de l´époque. L’entreprise reçut des mains des nationalistes un domaine de 1,4 million d´hectare pour trouver l´objet de convoitise officielle. Ayant toujours le feu vert des autorités, l´entreprise commença à dérober la forêt, à construire des routes et à installer les premiers puits de perforation.

Tracteurs, hélicoptères, grues. Rien de semblable n´avait été vu auparavant dans ce coin de la jungle. La population indienne, qui habitait le lieu bien avant l’apparition de Texaco et même de l´Équateur, fut ignorée au nom du bien commun. L´argent du pétrole était nécessaire et les Indiens ne comprenaient tout simplement pas ce qui se passait. La légende dit que, quelques curumins1 demandèrent à leur grand-père pourquoi pêcher dans les ruisseaux où il y avait toujours eu beaucoup de poisson devenait chaque jour plus difficile. Le vieillard, regardant les tâches colorées que le pétrole laissait dans l´eau, ne dit rien. Il ne sut pas quoi dire. Aucun des mythes transmis de génération en génération par ses ancêtres n´expliquait cela. Les arcs-en-ciel, jusqu´alors, n´existaient que dans le ciel.

Dans les années 60, peu d´Indiens parlaient l´espagnol en Amazonie équatorienne et, dans quelques tribus, le contact avec l´homme blanc venait seulement d´être établi. On ne pourrait répondre aux questions que beaucoup plus tard. « À mesure que la compagnie avançait dans la forêt et répandait les résidus de la prospection prolifère dans l´environnement, les Indiens furent délogés. Ils durent abandonner leurs terres car, évidemment, ils ne pouvaient plus y vivre », explique l´avocat Pablo Fajardo, 37 ans, qui travaille pour la défense des populations affectées par l´activité de Texaco en Équateur.

Pablo est arrivé en vélo à la rencontre que nous avions fixée au siège du Commité des Droits de l´Homme de Shushufindi, un petit bureau cédé par l´église catholique où le militantisme, qui l´amènera à la faculté de Droit, commença. Il transporte son fils sur son porte-bagage, ainsi que son expérience d’homme entêté qui s’implique corps et âme dans l´une des plus grandes batailles judiciaires de l´histoire. La lutte contre les abus commis par Texaco est le premier cas de sa carrière. Il l’a pourtant commencé bien avant que les preuves arrivent aux tribunaux. Au début des années quatre-vingt-dix, quand le procès commença à la Cour de New-York, Pablo n´était pas encore avocat. Il apprit à faire face à la justice en se confrontant quotidiennement à son revers, l´injustice, qui sévit dans presque toute l´Amazonie. Et peu importe si elle est arrosée d´eau ou de pétrole : elle fleurit de la même façon et se dissémine en tout type d´infection, de cancer ou d´intoxication qui ne cessent d´être reportés à l´hôpital municipal.

C’est avec un nœud dans la gorge que l’on découvre les conditions de vie des shushufindenses2. La première chose que l´on remarque ce sont les oléoducs. On les retrouve partout, chauds, le long des routes, au dessus des rivières, au milieu des champs. Le pompage ininterrompu du pétrole se traduit à l´oreille humaine en une stridence métallique, comme si le combustible sortait de terre armé de marteaux et frappait les tuyaux, fer contre fer, en frappant sur le compas systématique de l´extraction. Quant aux puits de pétrole, il est très facile d´en apercevoir un, suçant le sang de la terre. Pas même besoin de sortir du périmètre urbain. Espaces de jeu pour les enfants, ils se répandent entre les maisons et font partie du paysage. Et en toute discrétion. La technologie a permis de réduire ces énormes structures oscillantes, intrigant mécanisme de balanciers et de leviers typiques des films texans, à de petits appareils ressemblant jusque dans la couleur à des bouches d´incendie. Chaque puits s’accompagne toujours d´une tour. À Shushufíndi, elles sont connues comme mecheros, mot venant de mecha, qui en espagnol signifie “flamme”. En regardant une de ces tours, on comprend facilement pourquoi. Le gaz qui sort de la terre avec le pétrole et que l´on n´exploite pas brule en permanence. C´est pour cela que les nuits de la ville mélangent l´obscurité mouchetée d´étoiles aux reflets orangés d´un incendie industriel perpétuel, et que l´horizon vert des jours ensoleillés est parsemé de petits foyers incandescents au milieu de ce qu´il reste de la forêt vierge.

Il a suffit que le pétrole jaillisse pour la première fois, en 1967, pour que l´État équatorien décide d´appuyer son économie sur l´extraction et la vente de combustible. C´est encore le cas aujourd´hui. Il y a deux ans, l´Équateur est devenu camarade du Venezuela, du Nigéria, de l´Angola, de l´Iran, de l´Arabie Saoudite, du Kuwait et d´autres paradis pétroliers en entrant de nouveau dans l´Organisation des Pays Exportateurs de Pétrole (OPEP). Approximativement 40% de la recette de la balance commerciale du pays dépend de l’or noir. Au moins en théorie. Le gouvernement a en effet besoin des bénéfices du pétrole pour investir dans des programmes sociaux qui tirent les Équatoriens de la pauvreté. Pour cela, l´affirmation de la viabilité des réserves hydrocarbonifères avait provoqué un jubilé national. Mais, en regardant Shushufíndi, la salle des machines de l´économie nationale, personne ne doute de la véritable origine du sous-développement.

Là est la grande contradiction de l´Équateur. Sa plus grande richesse financière, la ressource qui subvient aux besoins du pays, provient des entrailles de sa région la plus pauvre. Santiago Chiriap, promoteur de santé interculturelle sur le territoire indien de Yamanunka, n´a jamais compris ce mécanisme. « Il y a 28 puits pétrolifères en fonctionnement dans notre communauté. Nous devrions donc bénéficier de tout type de services, mais nous n´avons même pas d´eau potable et de système sanitaire de base », lamente-t-il.

Près de 1.400 Indiens de l´ethnie shuar vivent à Yamanunka. La croisade personnelle de Santiago contre les “morts soudaines” qui ont commencé à ravager ses voisins l´a amené à enquêter sur la qualité de l´eau que l´on boit dans les environs. Cela parce que les racines et plantes médicinales qui avaient toujours guéri avec facilité les maux de ventre de son peuple ne faisaient plus effet. Chiriap, avait donc demandé de l´aide à des uiversités et des ONG de Quito. Après trois ans d´analyses en laboratroire, il avait conclu que les Indiens ingéraient des quantités considérables de plomb, d´arsenic et d´hydrocarbonates contenus dans l´eau. Il garde avec lui un dossier contenant les résultats des tests, et les montre à qui souhaite les voir. Ceux qui doutent de la parole de Santiago, ou de son dossier de documents, peuvent facilement consulter le docteur Jorge Herrera à l´Hôpital Municipal de Shushufíndi. Plus facile de croire un homme dont le diplôme est accroché au mur et qui reçoit chaque jour des cas d´infections gastro-intestinales. « L´eau de nos rivières n´est pas propre à la consommation humaine pour cause de contamination par résidus originaires de l´activité pétrolière. »

En 28 ans d´opération en Équateur, entre 1964 et 1992, Texaco a retiré près de 1,7 milliard de barrils de pétrole du sol amazonien. En échange, l’entreprise aura eu un impact socio-environnemental “incalculable” dans ce coin perdu du pays, terme par lequel l´avocat Pablo Fajardo definit les effets colatéraux de l´extraction. Pour maximiser les profits, l´entreprise a préféré ne pas suivre les paramètres de protection environnementale en vigueur à l´époque. Par exemple, Texaco ne réinjectait pas dans le sol les liquides toxiques issus du processus de perforation, connus comme “eau de formation”, une substance blanchâtre qui sort des profondeurs de la terre en exhalant une forte odeur rappelant celle du dissolvant. « De plus, raconte Fajardo, pour chaque puits qu´elle creusait, la compagnie a construit deux, trois ou quatre piscines. Elle y jetait tout type de résidus. Texaco a creusé plus ou moins mille piscines et déversé 18 milliards de galons3 d´eau de formation directement dans les rivières. Des centaines d´écoulements n´ont jamais été bouchés. Elle arrosait aussi les routes avec du pétrole pour diminuer la poussière. Avec la pluie, le combustible terminait évidemment dans les cours d´eau. Je dis tout cela parce que je l´ai vu de mes propres yeux. »

La lutte bloquée en justice depuis 1993 a commencé aux États-Unis pour arriver dix ans plus tard en Équateur. Elle a déjà produit des centaines de kilos d´expertises, de rapports, d´études techniques, impliquant des milliers de personnes et 27 milliards de dollars d´indemnisations, et concerne exclusivement la réparation des dommages à l´environnement. Aucun particulier ne touchera un centime de la fortune que Texaco devra rembourser en cas de défaite en justice.

Cependant, l´avocat sait, et le sérieux de son regard parle de lui-même, que la majeure partie des préjudices est simplement irréparable. Pablo compte dans la catégorie “irrécupérable” les 2.000 cas de cancer au-dessus de la moyenne nationale qui ont été enregistrés ces 15 dernières années dans la zone, le plus haut taux de mortalité infantile du pays, les continuels avortements spontanés, la permanente contamination des sédiments des rivières par des métaux lourds et autres résidus toxiques, les piscines de pétrole qui gisent sous terre ou à ciel ouvert depuis 30 ans, l´extinction des espèces animales et végétales, et la disparition d´au moins deux groupes d´Indiens – tetetes et sansahuaris – qui habitaient originellement la zone.

« Comment peut-on calculer le prix d´une vie ? Comment peut-on exiger une indemnisation pour l´extinction de toute une population indienne ? On ne peut pas. Les dommages sont réellement irréparables. Malgré cela, voyons ce qui peut au moins être fait. Si nous nettoyons les résidus toxiques qui demeurent dans les piscines, dans les sédiments des rivières, des marais, si nous nettoyons la nature des éléments qui continuent de tuer les gens, c´est déjà beaucoup. Ainsi on pourra rendre un peu de la dignité qui a été volée à la population locale », explique l´avocat.

Pendant que la justice travaille, Manuel Salinas attend. Attendre, d´ailleurs, c´est ce qu´il a le mieux appris à faire pendant les 23 ans durant lesquels il a vécu au-dessus d´une piscine de pétrole. Quand il est arrivé à Shushufíndi, fuyant la sécheresse qui avait tari les plantations du sud du pays, Salinas s´étonna d´une affaire irrécusable pour tout paysan : une bonne ferme à un bon prix. C´était exactement ce qu´il cherchait. L´agriculteur, qui voulait et avait besoin de travailler, n´hésita pas une seconde. Il emprunta l´argent à son frère et remit le terrain en état. Immédiatement, il commença à construire une petite maison en bois. Il sema. Manioc, banane, maïs, café, tout poussait, avec difficulté, « la terre est faible », mais ça poussait.

Manuel a toujours su que son morceau de terre, avant d´avoir été recouvert de beaucoup de terre par Texaco, avait été une piscine de pétrole. Tout le monde le disait. Quand il était arrivé, cependant, il n´avait pas observé de vestiges du lagon noir. Ce que les yeux ne voient pas, le coeur ne le sent pas. Le corps, lui, souffrirait des effets colatéraux, mais plus tard. Sur le moment, le problème semblait résolu, et la vie continuait.

« Bien sûr que tout ce qui sort de cette terre est contaminé », dit-il, d´une douce voix, presque rauque, qui coule par-dessous ses moustaches grisonnantes septuagénaires.

Pourtant, l´agriculteur n´a jamais cessé de manger les produits qui poussaient dans sa ferme, même lorsque le pétrole commença à crever sa sépulture de terre et, comme par miracle, à rejaillir du sol. « C´est la pauvreté et la nécessité qui nous meut. On fait confiance à Dieu, pour qu´il nous aide et nous favorise. En fin de compte, je suis encore vivant. » C´est comme cela qu´il justifie, dans un mélange de soulagement et de plainte, la contamination que la faim a imposé à son organisme.

Don Salinas est presque mort de gastrite après la rupture de la tubulation souterraine du puits 38 (creusé par Texaco dans les années soixante, mais aujourd´hui opéré par l´entreprise publique Petroecuador) à quelques mètres de son terrain. À côté, l´agriculteur gardait un réservoir d´eau, qu´il utilisait pour boire, se laver et cuisiner, parce qu´il n´y a pas de système sanitaire de base dans la zone rurale de Shushufíndi. Après l´incident, Salinas n´avait plus d´eau. Les liquides toxiques du puits s´infiltrèrent dans la nappe phréatique qui fournissait son réservoir et sa famille. Sauf que Manuel ne fut informé de la fuite qu´après un certain temps. Quand les techniciens de l´entreprise vinrent informer que le conduit avait explosé juste à côté et qu´ils ne pouvaient plus rien faire, l´estomac du paysan criait déjà de douleur. Si ses amis ne l´avaient pas emmené suivre un traitement spécialisé à Quito, Salinas serait déjà mort.

Avant l’appareil digestif, c´est sa peau qui avait réagi au contact quotidien de la contamination. A mesure qu’il évoque ses maladies, Salinas remonte les manches de sa chemise et nous montre les petits grains roses qui se mélangent aux rides du soleil et de l´âge. Il ne tarde pas à défaire les boutons pour prouver qu´ils s´étendent sur la poitrine, le ventre et le dos. Après avoir visité la piscine de pétrole qui s´ouvrit dans le jardin de sa maison, une éruption cutanée surgit immédiatement sur ses mollets. La démengeaison en cadeau. Et il suffit d´une demie heure de marche, pas plus, en claquettes à travers la plantation toxique de Don Salinas, au milieu des vieux barils de Texaco et les pieds de café survivants. Le pied s´enfonce. La terre est molle, mais pas parce qu´elle est fertile. « Hé, venez ici », appelle Don Salinas. Nous nous approchons. Manuel est immobile. Il tient dans ses mains une branche d´arbre longue et fine. « Regardez », dit-il, alors qu´il enfonce, sans le moindre effrot, les deux mètres de bois directement dans le sol. Je comprends alors que Don Salinas et toute sa propriété naviguent, depuis plus de deux décennies, sur des milliers de litres d´un mélange de pétrole, de vase, d´eau de formation et autres rejets. Tous toxiques. C´est exactement ici qu´ont poussé les aliments qui remplirent son assiette pendant tant d´années.

Dans le contexte shushufindense, cependant, Manuel peut être considéré comme chanceux. Il y a un peu plus de deux ans, lorsqu´il venait d´être élu, Rafael Correa, le président de l´Équateur, rendit visite à la ferme de Salinas. Il vu de près la piscine qui était apparue dans le jardin – de si près que l´un de ses conseillers glissa presque à l´intérieur de la noirceur – et il vérifia aussi la qualité de l´eau utilisée par la famille de l´agriculteur. Avec l´aide d´un assistant, le président tira un seau du fond du réservoir, y mouilla ses mains et les approcha de son nez.

« Ça sent la gazoline », dit-il.

Ça ne mit pas très longtemps pour que le gouvernement donne à Don Salinas un nouvel endroit où habiter. Le pouvoir public cèda le terrain, mais le paysan dût réunir ses petites économies et financer la construction de sa maison. Aujourd´hui il vit loin de la piscine de pétrole et de l´intoxication quotidienne, reçoit de l´eau au robinet de la cuisine et se protège de la pluie par des murs en briques. Mais il n´est pas satisfait, principalement parce que dans son nouveau jardin, il ne peut cultiver ni maïs ni manioc, ce qui allégeait la facture en fin de mois. « La contamination s´est étendue à la ville entière, à toute la région. Nous n´avons pas vraiment d’endroit où nous échapper. S´ils me donnent une indemnisation, j´achèterai un morceau de terre ailleurs, où je pourrai planter. Si je le pouvais, je partirais de Shushufíndi, sans le moindre doute. »

Bien que méconnu au Brésil et dans le monde entier, le désastre environnemental provoqué par Texaco, avec l’aide des gouvernements successifs, en Amazonie équatorienne est comparable aux accidents ayant eu lieu en Alaska avec le pétrolier Exxon-Valdez, en 1989, et sur la côte espagnole, avec l´embarcation Prestige, en 2002. Sauf que, au lieu d´avoir fui dans la mer, le pétrole s´est répandu dans la forêt, habitat non seulement d´animaux, mais aussi de personnes. Des organisations non gouvernementales, comme la britannique Oxfam, classent la contamination pétrolifère en Équateur comme la « catastrophe environnementale du siècle. » L´entreprise étasunienne, cependant, ne désiste pas de sa défense. Et elle a adopté deux tactiques pour influencer la décision du magistrat Juanm Núñez Sanabria, le juge responsable de l´affaire. La première sentence sur la querelle millionnaire doit être prononcée en fin d´année, avec droit d´appel pour chacune des parties.

La cible préférée de Texaco, c´est Pablo, accusé à de multiples reprises de ne chercher que la célébrité et la richesse en salissant l´image de l´entreprise. Il est vrai que l´avocat a atteint un certain niveau de gloire. Grâce à son travail en faveur des communautés, il est connu et reconnu par tous à Shushufíndi, Lago Ágrio et Sacha, les trois municipalités équatoriennes les plus affectées par la contamination. Il reste tout de même relativement méconnu dans le reste du pays, et ce, malgré le prix qui lui avait été attribué par la chaîne de télévision CNN et la fondation américaine Goldman, et qui lui avait donné droit à un clip vidéo et un discours. L´image préférée des média internationaux pour décrire l´avocat est celle d´un petit David, métis et sous-développé, engagé dans une lutte inégale contre le Goliath impérialiste. Toutefois, la richesse est loin des portes de Pablo. L´avocat continue d’habiter dans une petite maison de deux chambres à Lago Ágrio. De là-bas, il prend le bus pour Quito au moins trois fois par mois. Il partage sa vie entre deux bureaux, un à la capitale et un en Amazonie, tous deux bondés d´enveloppes en papier kraft et de tomes bien plus gros que la Bible, autant de preuves soutenant sa défense. Huit heures de bus séparent les deux villes. Pablo profite du « temps libre » dont il dispose sur le trajet pour apprendre l´anglais de la même façon qu´il apprit le droit : seul. Et si pour obtenir son diplôme il a bénéficié d´une bourse d´études de l´église, il compte aujourd´hui avec l´aide d´un discman.

Une autre stratégie de Texaco consiste à inclure l´état équatorien comme accusé dans le procès judiciaire. Selon une information de la compagnie, « les principaux problèmes de santé de la région ne sont pas le résultat des opérations pétrolières, mais bien du manque d´infrastructures pour le traitement de l´eau, le système sanitaire de base et l´accès insuffisant de la population aux soins médicaux. » Pour cela, l´entreprise « repousse fermement l´idée d´endosser la responsabilité de résoudre les problèmes de la région, qui résultent de l´indisposition ou de l´incapacité du gouvernement et de l´entreprise pétrolière nationale à répondre à ses obligations. » A plusieurs reprises, des avocats de Texaco en Équateur ont mis en doute la responsabilité des écoulements et de la construction des piscines de résidus toxiques existants dans les environs. Adolfo Callejas a l´habitude de dire que le pétrole déversé dans la nature ne montre pas le logotype de l´entreprise étasunienne et, comme il est impossible de le dater, on ne peut pas savoir avec exactitude qui est responsable de la tragédie, Texaco ou, plus récemment, Petroecuador. La compagnie allègue également que – sous supervision des autorités équatoriennes – elle a exécuté un programme de récupération environnementale d´une valeur de 40 millions de dollars avant de sortir du pays. « Les travaux ont fait l´objet d´inspections et furent certifiés et approuvés par le gouvernement d´Équateur, qui libéra pleinement et cabalistiquement Texaco de toute plainte ou obligation future. »

Toutefois, un document de caractère « personnel et confidentiel », émis par les bureaux de l´entreprise aux États Unis pour une succursale équatorienne semble être la clé de l’opposition à ces allégations. Le 17 juillet 1972, R.C. Shields écrivit en Floride une lettre à N.E. Crawford à Quito, expliquant les procédures recommandées pour rapporter des incidents environnementaux :

Seuls les évènements importants doivent être communiqués. Un « évènement important » est défini comme celui qui attire l´attention des moyens de communication ou des autorités ou qui, selon votre opinion, mérite d´être rapporté. Aucun rapport ne doit être élaboré sur la base de données. Tous les communiqués précédents doivent être détruits.

Pour cela, et pour d´autres raisons, Pablo ne considère pas la possibilité de défaite devant les tribunaux. « 55 inspections judiciaires ont été effectuées et chacune d´entre elles montre qu´il y eu une contamination par hydrocarbonates, que cela a porté préjudice à la santé humaine, que les peuples indiens ont été affectés, que Texaco a pollué intentionnellement, que les dommages ont été provoqués pour des raisons économiques et aussi probablement par racisme. » Pablo a tout sur le bout de la langue. « Ce serait pervers de donner gain de cause à l´entreprise. »

Pas très loin de Shushufíndi, mais pas tout près non plus, on trouve une étendue d’un million d´hectares connue comme Parc National de Yasuní. Là, le gouvernement équatorien a récemment trouvé de nouveaux gisements de pétrole. Nouveaux et importants. On estime que 20% des réserves du pays se cachent sous la forêt encore vierge. Ce sont plus de 850 millions de barils qui pourraient permettre au secteur pétrolier équatorien de survivre, secteur en voie d´extinction dû au tarissement des vieux puits en opération depuis les années soixante-dix. Pour exploiter le Yasuní, il sera cependant nécessaire d´abattre une partie de la forêt. Cela signifierait attenter à un des patrimoines mondiaux de la biosphère, titre que l´Unesco concéda à ce lieu parce qu´y ont survécu au moins 165 espèces de mammifères, 110 d´amphibiens, 72 de reptiles, 630 d´oiseaux, 1130 d´arbres et deux groupes indiens en isolement volontaire, les tagaeris et les taromenanis, qui ont décidé de s´interner dans la jungle pour éviter le contact avec le monde occidental.

Pour préserver ce territoire intact du pays, et certainement en ayant le mauvais exemple de Texaco en tête, le président Rafael Correa a décidé d´innover. Il s´est engagé à ne pas creuser un seul puits dans le Yasuní s´il recevait, de la part de la communauté internationale, une compensation financière d´au moins 300 millions de dollars annuels pendant une période de dix ans. La somme varie selon le cours du baril de pétrole, mais elle correspond à la moitié de la facturation qui serait réalisée par le pays s´il décidait d´extraire le pétrole de la forêt. C´est le prix de la renonciation. « Ce sera un sacrifice partagé entre l´Équateur et le monde », dit Correa. Mais cela n´a rien à voir avec de la philanthropie.

Toutes les émissions de CO2 qui seraient évitées en laissant le combustible sous terre pourraient être négociées sur le marché du carbone établi par le Protocole de Kyoto ou par un mécanisme similaire devant encore être inventé. L´Équateur vendrait donc des « droits de contamination » aux gouvernements européens, qui à leur tour vendraient aux enchères ces quotas aux entreprises n´atteignant pas les objectifs de réduction des émissions établis par les accords internationaux. Ainsi, les pays développés pourraient maintenir leur rythme de production industrielle et l´Équateur recevrait l´argent qu´il recevrait s´il abattait la forêt pour l´extraction du pétrole. La jungle demeurerait entière, les animaux vivants, et les peuples indigènes loin de la civilisation blanche – l´ordre actuel des choses.

« Le capital international obtenu grâce à la vente des crédits de carbone serait utilisé principalement pour promouvoir un changement dans l´offre et la demande d´énergie du pays, de telle façon que l´économie équatorienne devienne plus durable. Nous voulons développer la génération de l´énergie hydroélectrique, géothermique, éolienne et solaire pour que d´ici à quelques années l´Équateur réduise au maximum sa dépendance au pétrole », explique Carlos Larrea, conseiller technique de l´initiative. – Un autre objectif du projet est d´investir dans le développement humain et social dans les domaines de la préservation, ce qui éviterait aux habitants de détruire la forêt pour survivre.

Un des paris des défenseurs du Yasuní est d´habiliter les communautés indigènes et riveraines à travailler dans l´écotourisme. C´est ainsi que le gouvernement prétend combattre la déforestation et autres activités prédatrices qui, peu à peu, et aussi à cause du manque de contrôle, dégradent les réserves naturelles du pays. C´est exactement cette idée qui suscite la méfiance d´une des plus importantes écologistes de l´Équateur. Esperanza Martínez, de l´ONG Acción Ecológica, ne manque pas d´éloges sur la décision du gouvernement de maintenir la forêt, mais elle ne croit pas que l´initiative représente une rupture avec le modèle de développement adopté par le pays et qui, au fil des années, est le responsable de la silencieuse dégradation environnementale.

« Comme nous n´avons pas encore de modèle alternatif à suivre, ce que nous pouvons faire, c´est freiner l´avancement du développement actuel jusqu´à ce qu´apparaisse une alternative. Dans ce sens, la préservation du Yasuní est une conquête impressionnante. Le parc doit être conservé, mais cela ne signifie pas nécessairement un changement de modèle économique pour le pays. Un Équateur post-pétrolier n´est pas un Équateur d´exploration minière ou de barrages. Pour tout cela, on peut affirmer, sans exagérer, que l´Équateur passe actuellement par un des moments les plus importants de son histoire. »

Il y a un (plus tout à fait) nouveau président, une nouvelle constitution et un chemin assez incertain vers l´avant. Rafael Correa est une personne assez jeune. Il a 46 ans et n´a jamais vraiment été lié à la politique. Avant d´intégrer le Movimento Pátria Altiva e Soberana, parti dont il est aujourd´hui le leader, il n´était qu´un tranquille professeur d´économie dans la plus grande et la plus chère université privée de Quito. Né dans une famille de classe moyenne, il a suivi une éducation religieuse, a fait sa maîtrise en Belgique et son doctorat aux États-Unis. Il ne montre pas l´ombre de lutte sociale du Bolivien Evo Morales ou du Brésilien Luiz Inácio Lula da Silva. Il n´a jamais été poursuivi par aucune dictature ou été leader d´un syndicat. De telle manière que plus d´une fois Hugo Chavez a utilisé le terme Chicago boy pour faire référence à sa trajectoire personnelle. Malgré cela, quand il a été élu pour la première fois en 2006, Rafael Correa affichait un sourire sur son visage et un projet dans les mains : rompre avec les traditions politiques équatoriennes.

« C´est un individu différent de tous les présidents précédents. Il a surgit de secteurs non traditionnels de la politique, mais avec une vision progressiste jamais vue au gouvernement. Correa vient d´ailleurs. Il n´a jamais rien eu à voir avec la politique. C´est comme s´il était entré par la fenêtre », explique le journaliste Kintto Lucas, auteur de Rafael Correa, un extraño en Carondelet4 (Editora Planeta).

Carondelet est le nom du palais qui abrite le gouvernement équatorien. Là, ces dernières douze années, se sont succédé sept présidents dans un triumvirat militaire. La crise institutionnelle a commencé en 1996. À l´époque, Abdalá Bucaram, un descendant libanais qui affichait fièrement une moustache à la Adolf Hitler, gouvernait le pays. Il aimait dire qu´il avait les testicules plus grosses que ceux de ces adversaires ou que le sperme de ses opposants était aqueux. Son mandat ne dura pas longtemps. Un peu plus de six mois, le temps suffisant pour commettre des bizarreries mémorables, comme déclarer héros nationaux certaines personnes qui avaient contracté le sida dans une clinique privée, ou rendre hommage à une Équatorienne résidant aux États Unis parce qu´elle avait été relaxée après avoir coupé le pénis de son mari. Comme si cela ne suffisait pas, Bucaram fut impliqué dans des dénonciations de corruption. La société, bien sûr, réagit. D´intenses protestations obligèrent le Congrès à le destituer. La principale justification des parlementaires pour en finir avec le gouvernement naissant de Bucaram fut la supposée « incapacité mentale » du président à diriger le pays.

Le symbole le plus fort de son excentricité a surement été son intention déclarée à amener Diego Armando Maradona au Barcelona de Guayaquil pour y défendre les couleurs de l´équipe pour un match seulement. L´embauche du joueur argentin n´aurait pas couté moins d´un million de dollars, payé, évidemment, avec l´argent public.

La chute d’Abdalá “El Loco” Bucaram5 jeta l´Équateur dans un va-et-vient présidentiel actionné à tour de rôle par les Forces Armées, le peuple insatisfait ou le mécontentement général. Le dernier à tomber fut Lucio Gutiérrez, qui ne supporta pas la pression d´un Palais de Carondelet assiégé par les manifestants et désista dans le courant de 2005.

Rafael Correa, a réussi, au moins pour l´instant, à mettre un frein au processus. Il a aussi réussi à faire approuver une nouvelle constitution qui reconnait une série de droits inédits en Amérique Latine. L´un d´entre eux est la plurinationalité. Depuis son fondement en 1830, et avant, l´Équateur est un état qui abrite plusieurs nationalités. Par essence, ces nationalités possèdent des langues, des économies, des formes de justice, des religions, des traditions et des cultures différentes. Aujourd´hui, au moins sur le papier, le pays reconnait la validité et la richesse de chacune d´entre elles. Et elles sont nombreuses, qu´elles soient indigènes ou afro-descendantes, blanches ou métisses. Elles sont éparpillées dans la Cordillère des Andes, la forêt amazonienne, le littoral et les îles du Pacifique – les quatre mondes existants sur le territoire équatorien. Le nouveau texte constitutionnel déclare aussi l´environnement comme une entité juridique dont la survie – c´est à dire la conservation – jouie de garanties légales. « La Nature ou Pacha Mama, où se reproduit et se réalise la vie, a le droit d´être respectée intégralement dans l´existence, préservation et régénération de ses cycles de vie, structures, fonctions et processus évolutifs », dit l´article 71. Mais il est évident qu´aucun arbre, jaguatirica6 ou jacaré7 ne fera de manifestation en cas de non-respect de ses droits par le gouvernement.

Pour cela, la Constitution laisse aux hommes la responsabilité de surveiller les écosystèmes et d´exiger du gouvernement qu´il applique la loi. Les droits de la nature sont, en bonne partie, la reconnaissance que, ni le système capitaliste actuel, ni la supposée bonne volonté de l´être humain n´ont été suffisants pour empêcher la destruction de la planète. Au contraire, on pourrait dire qu´ils ont été responsables de la dévastation croissante. Texaco et Shushufindi en sont la preuve.

Enfin, une autre nouveauté de la Constitution équatorienne est le principe de « vivre bien » ou, en quéchua, sumak kawsay. Il s´agit de voir l´homme en harmonie avec lui-même et avec la nature. Cela peut sembler difficile de comprendre, ou trop abstrait pour être appliqué à la vie réelle, mais en vérité, l´idée est assez simple. L´être humain ne réussit à vivre en communion avec la nature que lorsqu´il peut tranquillement boire l´eau d´une rivière (parce qu´il sait qu´elle n´est pas polluée), qu´il ne contracte pas de maladie respiratoire parce qu’il est obligé d´inhaler l´air contaminé, qu´il peut profiter des bois dont toute la biodiversité a été conservée ou qu´il consomme des aliments cultivés sans pesticides et autres produits chimiques agricoles nuisibles à la santé. Le sumak kawsay est une relecture des valeurs indigènes qui, peu à peu, ont été détruites par la civilisation occidentale. Il ne communique pas seulement la possibilité, mais principalement la nécessité de changer les habitudes et attitudes relatives à la nature. Parce que c’est de là que nous venons et que nos vies en dépendent.

La présence des concepts fondamentaux de la pensé aborigène dans la nouvelle constitution équatorienne est le résultat d´une lutte sociale permanente dont l´épisode inaugural fut le recensement indigène de 1990. À cette occasion, une bonne partie du pays fut paralysé quelques jours par des marches, des manifestations, des grèves et des occupations réalisées par des Indiens de différentes nationalités de l´Équateur. En avant de la rébellion, on trouvait les communautés établies dans les Andes. Ce sont elles qui ont marché jusqu´à Quito pour exiger du gouvernement qu´il réponde aux traditionnelles demandes de réforme agraire et d´accès à la terre, mais pas seulement.

« Comme la pensé coloniale, le racisme et la discrimination contre les peuples originaires existaient encore, le recensement prétendait rendre la question indigène visible pour la société », explique Luís Macas, intellectuel et activiste quéchua qui mena la rébellion de 1990. « Nous avons mis les problèmes de l´accès aux terres et à la démocratie sous le feu des projecteurs, mais nous cherchions principalement la convocation d´une assemblée constituante qui permette de réformer l´Etat et de reconnaitre le caractère plurinational de l´Équateur. »

La base matérielle à partir de laquelle les peuples indigènes peuvent y pratiquer leurs cultures est le territoire. Ce n´est pas pour rien que le processus d´appauvrissement et la misère auxquels les habitants originaires de l´Amérique furent soumis commença avec l´arrivée des Espagnols et l´instauration de modèles agricoles seigneuriaux tournés vers l´exportation. Mita, concertaje, obraje, huasipungo, il y eut beaucoup de règles d´esclavage que les conquérants européens, d´abord, et l´élite créole, ensuite, inventèrent pour soumettre et explorer l´indigène équatorien.

Le chantier colonial débarqua en 1526 sur les terres connues plus tard comme l´Audience de Quito et, avec l´indépendance, comme Équateur. En vérité, avant d´être baptisé du nom de la ligne imaginaire qui divise le monde, l´Équateur s´appelait Département du Sud. C´était l´un des trois territoires de la Grande Colombie, un immense pays formé par ce que l´on appelle aujourd´hui Venezuela, Colombie et Équateur et dont l´union était le plus grand rêve du libérateur Simón Bolívar.

Luís Macas considère que le processus colonisateur qui débuta il y a 500 ans avec Francisco Pizarro n´a pas encore terminé. De nombreuses rébellions eurent lieu dans les domaines fermiers et les villes depuis lors, mais c´est seulement en 1990 que les indigènes se firent entendre réellement pour la première fois. Et ils profitèrent de l´opportunité pour commencer à fortement remettre en question les valeurs défendues par la civilisation occidentale, qui commençait alors à s´exprimer par des politiques néolibérales et des privatisations.

Les Indiens furent les grands acteurs politiques et sociaux équatoriens des années 90. Et, profitant de l´appel populaire qu´ils gagnèrent pendant le recensement, ils fondèrent le Pachakutik, un parti à travers lequel ils commencèrent à disputer les élections. Sa force, cependant, a toujours été plus présente dans les communautés rurales, le travail collectif, le respect de la nature et la culture des fruits et légumes qui alimentent l´Équateur, qu´au Parlement. Les valeurs indigènes, qui pénétrèrent les rues de Quito pendant les années 90, contribuèrent en bonne partie à la chute de trois présidents en moins de dix ans. Ama quilla, ama shua, ama llulla (ne pas mentir, ne pas voler, ne pas chômer) furent pour un moment les contributions politiques du mouvement indigène qui se propagèrent dans la société et qui, pour le bien et pour le mal, donnèrent place au cycle d´instabilité politique et institutionnelle qui débuta en 1996.

Le changement, toutefois, semble venir au compte-goutte. D´ailleurs, il est très compliqué de parler de changement dans un pays où chaque citoyen a dans sa manche la solution aux problèmes nationaux. Ce n´est pas que les Équatoriens soient un peuple politisé, mais ils aiment parler de politique. Rafael Correa, par exemple, bénéficie de l´appui de la majorité, mais il est encore loin de faire l´unanimité. Lors des dernières élections, en avril, il a obtenu 51% des votes. Lucio Gutiérrez, qui, il y a quatre ans, a utilisé un hélicoptère pour fuir du pays et d´une foule en délire, avait obtenu 30%. Correa a gagné au premier tour et a encore quatre ans devant lui, mais beaucoup bavent de rage quand il commence à parler de son gouvernement. À chaque fois que le président fait un discours ou défile aux côté d’Hugo Chávez, par exemple, quelqu´un, dans les quartiers les plus aisés de Quito ou de Guayaquil, perd le sommeil ou entre dans une discussion. Si le gouvernement va à l´encontre des profits abusifs d´une compagnie transnationale, alors… Les journaux et la télé sont les plus grands adversaires politiques du président. Ils verbalisent et transmettent tous les jours à 14 millions d´Équatoriens les valeurs d´une opposition qui a été défaite lors des six consultations populaires, élections et référendums compris, réalisées durant les trois dernières années. Cependant, le président possède également des opposants à gauche. A commencer par le mouvement indigène et écologiste, qui depuis longtemps lutte pour un vrai cambio8 pour l´Équateur. Et le point névralgique qui sépare le passé du futur est le respect de l´environnement. La seule façon de réellement briser les paradigmes – disent-ils – c´est de changer le modèle de développement.

« Quand nous parlons de « modèle de développement », nous faisons référence à la forme d´accumulation et de distribution du développement. Depuis 1830 et jusqu´à aujourd’hui, nous avons été un pays primaire-exportateur de banane, de café, de cacao et de crevette. Ensuite, nous avons découvert le pétrole. Nous avons essayé de viabiliser l´industrie, mais ce n´a pas été possible », témoigne René Ramirez, secrétaire national de la Planification. « Maintenant nous voulons construire d´autres moyens pour gérer de la richesse. Mais cela ne se fait pas d´un jour à l´autre. »

N´importe qui sait – parce que cela se voit – que l´Équateur n´est pas un pays développé. Non pas parce que les gens n´ont pas d´iPod dans la poche ou d´ordinateur portable dans le sac à dos, mais parce que les taux d´analphabétisme sont si hauts et que les services basiques de santé et d´éducation sont loin d´une bonne partie de la population, parce que le racisme envers les Indiens et les noirs est encore très présent, parce que la société équatorienne est extrêmement inégale et que la délinquance ne fait qu´augmenter. L´argent que l´on tire de la terre – que ce soit des fermes ou des puits de pétrole – ne profite qu´à peu. Shushufíndi, encore une fois, sert de (mauvais) exemple. C´est de là que viennent les réclamations pour un changement profond, structurel qui, s´il dépendait de Rafael Correa, ne surgirait pas avant les vingt prochaines années. Une nouvelle loi d´exploitation minière vient d´être approuvée, et à cause d´elle, des scènes désolatrices pour certaines régions qui devraient être protégées pour leur biodiversité sont à espérer.

« La richesse de ce pays est immense, elle est supérieure à 200 milliards de dollars. Nous allons laisser tout cela intact parce qu´on ne peut pas abattre un arbre ou un oiseau ? », s´est demandé le président lors d´une de ses défenses de l´exploitation minière. « Détruire la jungle peut être immoral, mais renoncer aux ressources qui peuvent tirer un pays du sous-développement, qui peuvent éliminer la misère et la pauvreté de notre patrie est encore plus immoral. »

L´insistance de Rafael Correa a provoqué d´importants découragements dans son gouvernement. Le mouvement indigène est l´un de ceux qui ont dérobé le soutien au président, un soutien qui jusqu´alors était inconditionnel. Alberto Acosta, un des économistes les plus importants du pays aussi. Avant de commencer à critiquer le correisme, il fut ministre de l´Énergie et des Mines et présida l´assemblée qui a écrit la nouvelle constitution. Les dissensions, cependant, devinrent de plus en plus insoutenables. De nouveau, la question écologique parla plus fort.

« Nous devons reconnaitre que le pétrole touche à sa fin, qu´il provoque de graves problèmes environnementaux et surtout que nous ne pouvons pas continuer à vivre simplement de ce que la nature nous donne. Pour cela, une proposition post-pétrolière doit être simultanément une proposition post-extractiviste, argumente-t-il. Il ne s´agit pas seulement d´abandonner le pétrole, mais de faire que l´exploitation contaminatrice des ressources naturelles ne soit plus la base de notre développement, ou mieux, de la croissance économique, parce que l´extractivisme n´a jamais géré de développement. »

La loi minière ouvre les portes à l´extraction de grande échelle et à ciel ouvert. Les cibles sont les gisements d´or, d´argent, de cuivre et de tout ce qui pourrait être trouvé dans le sous-sol équatorien. Qui a déjà vu des photos de la Serra Pelada9 à l´apogée de l´exploitation aurifère ou des régions minières du Chili et de la Bolivie peut imaginer les conséquences de cela pour la réserve florestale, pour les rivières et pour la population locale. Shushufíndi a servi d´alerte pour ne pas toucher au pétrole de Yasuní, mais il semble que n´ait pas été suffisant pour contenir les aspirations du gouvernement face à l’éclat des métaux précieux.

Malgré cela, Rafael Correa est convaincu que son socialisme du XXIè siècle est l´alternative. Et, quand j´eus l´opportunité de questionner son gauchisme, lors d´un entretien collectif obtenu un jour après sa réélection, le président n´a pas hésité à se défendre à l´aide d´exemple du passé.

« Si l´on soutient l´exploitation minière, on est de droite, donc Che Guevara était de droite et Fidel Castro est de droite, parce qu´un des principaux produits d´exportation de Cuba est le zinc, qui, de plus, est exploité en mines à ciel ouvert. La Chine aussi serait un pays capitaliste puisqu´elle a déjà beaucoup de mines. L´Union Soviétique avait aussi l´exploitation minière… ».

Je me rappelle alors de Melânia, de sa casquette jaune délavé presque blanche, de ses 40 et quelques années, de ses cinq avortements et de sa maison en bois, depuis la fenêtre de laquelle on peut contempler un puits de pétrole et une tour d´incinération perpétuelle de gaz. Je me rappelle qu´à côté elle cultive, avec l´aide de ses trois filles qui ont réussi à naitre, un jardin de cacao, de maïs et de manioc, et que quelques poules et quelques porcs se promène dans le potager sans se préoccuper de rien. Je me rappelle qu´un jour tout n´était qu´une piscine de pétrole, et que tout a été enterré sans aucun traitement. Et je me rappelle de la réponse qu´elle avait donnée, platement, à la dernière question de notre entretien, après avoir discuté des bonheurs et des malheurs d´habiter là.

– Y a-til autre chose que vous voudriez dire, Melânia ?

– Non… – rires. – Je n´ai rien à dire.

C´est comme si la parole avait perdu son pouvoir dans le désespoir des discours vides. (cc)

notes

1 Mot d´origine tupi, tribu brésilienne, désignant de manière générale les enfants indigènes.
2
Habitants de Shushufindi.
3
Près de 80 milliards de litres.
4 Rafael Correa, un étranger à Carondelet
5 Abdala “Le Fou” Bucaram.
6 Carnivore sauvage de la famille des félidés, aussi connu sous le nom de maracajá, vivant en Amérique, depuis le nord du Mexique jusqu´à la Bolivie et le Brésil.
7 Caïman sud-américain.
8 Changement.
9 Serra Pelada est une région de l´État du Pará (nord du Brésil) qui devint célèbre durant les années 80 à cause d´une ruée vers l´or moderne car la plus grande mine à ciel ouvert y avait été ouverte.

humanos direitos

14/01/2010 § 1 comentário

–tadeu breda(cc)

desfalcado

13/01/2010 § Deixe um comentário

O Equador acaba de perder seu ministro de Relações Exteriores. Fánder Falconí renunciou ao cargo neste 12 de janeiro depois que o presidente Rafael Correa desqualificou, sem citar nomes, os resultados até agora obtidos pela comissão encarregada de materializar a Iniciativa Yasuní-ITT.

A Iniciativa Yasuní-ITT é um projeto bastante ambicioso lançado pelo governo equatoriano em 2007. Seu objetivo é manter debaixo da terra uma significativa reserva petrolífera encontrada no Parque Nacional Yasuní, mais exatamente numa zona limitada pelos rios Ishpingo, Tambococha e Tiputini — daí a sigla ITT. A região, localizada na Amazônia, foi declarada patrimônio da biosfera pela UNESCO e concentra uma diversidade animal e vegetal exuberante, além de abrigar dois povos indígenas em isolamento voluntário.

O Equador mais do que nenhum outro país sabe que a exploração petrolífera destrói a floresta. Basta lembrar o caso de Shushufindi, onde a extração trouxe piscinas tóxicas, rios contaminados, baixos índices de desenvolvimento humano, taxas de câncer acima da média nacional e violência para além do imaginável para uma cidade de apenas 18 mil habitantes. [ver passado negro] Por isso apostou-se na ideia de substituir os poços por um mecanismo financeiro que pega carona no Protocolo de Kyoto para angariar os fundos necessários para o desenvolvimento do país sem derrubar uma árvore sequer.

A Iniciativa consiste, pois, em deixar os 850 milhões de barris debaixo da floresta e, em troca, negociar no mercado internacional de carbono os gases estufa que deixarão de ser emitidos pela renúncia em explorar as reservas. Fazendo os cálculos, o Equador faturaria cerca de 6 bilhões de dólares caso extraísse e vendesse o petróleo do Yasuní-ITT. Para deixá-lo como está e preservar esse patrimônio natural amazônico, o governo pediu aos países desenvolvidos pouco mais da metade desse valor: 3,5 bilhões de dólares. [ver una huella verde sobre el petróleo] E ordenou que uma comissão iniciasse as negociações. Fánder Falconí, então ministro das Relações Exteriores, seria o responsável por supervisionar todo o processo.

Apesar de ter sido lançada em 2007, a Iniciativa Yasuní-ITT só decolou em maio de 2009, que foi quando o Equador finalizou a proposta a ser apresentada aos países europeus e aos Estados Unidos. De lá pra cá, a comissão conseguiu angariar 1,7 bilhões de dólares — pouco menos da metade — entre contribuições da Alemanha, Espanha, Bélgica, França e Suécia. Conforme estabelece o plano, esse dinheiro não irá diretamente para o governo equatoriano, mas sim para uma comissão internacional estabelecida no seio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que impediria um eventual mau uso das verbas ambientais.

O problema todo radica nas atribuições dessa comissão: os países doadores querem ter a última palavra sobre como o Equador utilizará o dinheiro. Rafael Correa não aceitou tal nível de ingerência e foi ao ataque.

“Saben qué señores, vayan a mandar a su casa, cambien su donación en centavitos y pónganse en las orejas porque nosotros no vamos a recibir órdenes de nadie”, disse o presidente em seu programa de rádio. “Entiendan que los que más sacrificios estamos haciendo somos los ciudadanos de Ecuador. En cualquier parte del mundo hubieran explotado el petróleo”, continuou o mandatário. “Estamos hartos de que nos traten como colonia, de que nos traten como inferiores.”

Não é difícil entender a irritação de Rafael Correa. Poucos países do mundo, mesmo em tempos de crise ambiental e aquecimento global, deixariam de explorar uma jazida do tamanho da de Yasuní apenas para preservar a floresta. Vale lembrar que o petróleo que se esconde debaixo do parque corresponde a 20 por cento de toda a reserva petrolífera equatoriana — e que o país enfrenta sérios riscos de deixar de ser um pordutor de petróleo devido à inexistência de novos pontos de extração. Além disso, ao estimular a inciativa, o Equador deixaria de arrecadar 3 bilhões de dólares e de gerar uma série de empregos na estatal Petroecuador.

Ou seja: o embargo às jazidas do ITT é a primeira política correísta que está em total consonância com a nova Constituição, que reconhece direitos à natureza e prega uma nova relação, não destrutiva, com os ecossistemas. É também o primeiro projeto governamental em todo o mundo que reconhece os danos duplicados da indústria petrolífera: depredação do meio ambiente seguida de emissão de CO2. Como se não bastasse, é o motor do novo modelo de desenvolvimento que se almeja para o Equador e que descansa sobre os princípios do bom-viver. [ver el biodesarrollismo ecuatoriano]

Por isso, Correa classificou a postura dos países desenvolvidos com  palavras tão duras. “Es vergonsozo”, sentenciou. Foi precisamente esse termo — vergonhoso — que desagradou o ministro de Relações Exteriores. Fánder Falconí interpretou o adjetivo como uma desqualificação ao trabalho das pessoas envolvidas na Iniciativa Yasuní-ITT, entre as quais se encontra.

“Una negociación vergonsoza, como manifestó Correa en su oportunidad, no sólo afecta a la dignidad de personas completamente al azar”, disse o chanceler. “Es absolutamente inaceptable.”

Junto com Fánder, também pediu demissão o empresário Roque Sevilla, presidente da Iniciativa, que agora ficou órfã de dois de seus maiores entusiastas. Mesmo assim, Rafael Correa pressionou os países desenvolvidos a complementarem as doações até junho. Caso contrário, ameaçou, não terá alternativas a não ser explorar as reservas do Yasuní-ITT para conseguir o dinheiro que precisa para governar.

“La Iniciativa Yasuní merece un compromiso mucho más explícito que la fijación de un plazo perentorio de seis meses para acopiar los recursos financieros requeridos. La trascendencia de la Iniciativa es que, en su esencia, propone un cambio de forma de vida”, lamentou o ministro demissionário.

Fánder Falconí é a mais nova figura de peso dentro da esquerda equatoriana a deixar o governo da Revolução Cidadã. Antes dele, em 2008, o economista Alberto Acosta, que tinha ocupado o Ministério de Energia e Minas e liderado a Assembleia Constituinte durante o debate da nova Carta, já tinha rompido com Rafael Correa, também por questões ambientais, entre outras. –tadeu breda (cc)